O chão da saleta começa a se encher de neve. Não importa quantos socos ele dê nas paredes, a única coisa que ele faz é mais gelo. Passa a mão pela testa suada, e mais uma lágrima cai. Ele sequer sente a lágrima caindo.
— Bem, acho que isso foi bom para esclarecer alguns pontos — a voz de Colin é calma, paciente. Irônica. — Sabe, apesar de tudo, eu não sou tudo isso de ruim. Quando eu era adolescente igual você, meu pai me fez dar um tiro nas costas da minha namorada.
As costas de Renato vão se arrastando contra o concreto — e gelo — da parede quando ele se senta no chão, exausto. Sua mente está a milhão, mas ele não consegue pensar em nada. Só quer sair dali.
— Deu pra ver que você e Davin iam acabar ficando juntos em algum momento, foi por isso que houve aquela cena decepcionante no banheiro.
Cena no banheiro? Que banheiro? Ele pensa, busca em suas memórias o que quer que aquilo signifique. Meu Deus, o banheiro do shopping! É por isso que a energia daquele lugar estava tão pesada. Porque a intenção era a de Colin, o tempo todo.
— Bem, que bom que as coisas ficaram esclarecidas. Sabe, eu achei que você já estivesse preparado pra uns experimentos com maior contato. É por isso que você está nesse país, oras!
Eu só quero... eu preciso sair daqui! Ele se levanta com dificuldade, os dedos fracos se apoiando em suas pernas. Tenta dar outro soco na parede, mas está fraco demais. Seu braço todo estremece.
— Bem, parece que nada disso deu certo. Você segue aí embaixo. O seu oxigênio já devia ter acabado, não? Ah, nunca testei você nesse quesito, de qualquer maneira.
Renato o escuta de costas para a televisão, a testa apoiada na parede. Tenta respirar, mas é como se o pedúnculo espinhoso de uma rosa estivesse envolvendo o seu pescoço. O ar luta para entrar e para sair, mas não por conta do oxigênio. Alguém me tira daqui, por favor... oceano, destrua esse lugar! Eu imploro! Mas, é claro, nada acontece. Ele solta um grunhido, de dor e de choro. Dor pelo cansaço, choro por isso e por todo o resto.
— Bem, você falhou. Não conseguiu sair daí com as revelações da própria vida, quem diria? Enfim, acho que o melhor fica pro final mesmo.
Suas bochechas estremecem de raiva.
— Para com essa porra! — Ele se vira ao empurrar a parede em que se escora, mas acaba caindo no chão. Resolve olhar para a televisão, o olhar se erguendo aos poucos. Então, seus lábios se abrem, o tremor passando por todos os seus músculos.
Em algum lugar, do outro lado da tela, Tia Ana olha para a câmera. Seus olhos estão fundos e roxos, seus lábios cortados, sua aparência cansada e fraca. Está presa em uma cadeira, algum apetrecho de couro segurando suas mãos e seus pés.
— Tia... Tia! — Ele se levanta, colocando as mãos sobre a televisão, como se pudesse atravessá-la. Sua voz é quase um rasgo em sua garganta. Seus olhos marejam quando ele nota a situação da mulher.
— Oi... — sua voz escapa em um suspiro. Sua cabeça sempre tomba para baixo, mas ela tenta erguê-la. — Oi, Renato, meu bem.
Ele desliza as pontas dos dedos nos cabelos ressequidos da mulher, mas é claro que não consegue sentir. Olha para cima e para baixo. Só um segundo, tia, que eu chego aí e consigo te curar. A gente vai voltar pra casa, tia Ana... a gente vai voltar pra casa.
— Tia Ana... o que aconteceu? — inspira o ar, trêmulo.
Os olhos dela estão fechados, mas ela luta para abri-los. Eles piscam fracamente todas as vezes. Uma parte de uma das pálpebras está rasgada. Estão tão machucados.
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Do Seu Sol, Para a Minha Lua
RomanceRenato Saturna, um jovem brasileiro pouco convencional, é mandado para um intercâmbio nos Estados Unidos. Desde que nasceu tem os cabelos brancos, mas nada tão diferente como o seu segredo: ele pode manipular a água. O jovem leva todo o seu entusias...