Voar

16 0 0
                                    

Em meu corpo está o de sempre
Roupas que pesam na minha alma
e me acorrentam a
uma máscara que não me pertence

Já estou acostumada a elas
Pouco explorei além disso
Mas o que provei, me fez querer mais

Quando me enxergam assim,
me tratam por alguém que não sou
Me chamam de Ícaro
E até que faz sentido

Sinto a ânsia de voar
Fugir no céu,
pra bem longe do labirinto que a cisgeneridade construiu

Corredores de mentira,
caminhos traçados por dissimulação
Que não levam a lugar nenhum
Além de uma performance mecânica
imposta pelo cistema que crê na perfeição

Mas sou bem afortunada
E recebo as bênçãos de meu pai
Que enxerga quem realmente sou, despida
E me dá asas pra fugir
Escapar de todos os monstros que me perseguem

Junto com as asas de cera ganhei também sabedoria
Sua orientação foi só uma:

Equilíbrio

Essa palavra me assusta,
até mais que o próprio labirinto

E me vejo correndo
Acelero meus pés no chão

Tomo o impulso,
movimento abastecido pelo desespero acumulado em meu corpo

Admiro o horizonte, sua profundidade e infinitude

Conforme me sinto mais e mais próxima dele

Quando percebo, já não toco mais o gélido solo

Grito,
sinto a morte por um instante

Mas em nome da sobrevivência minhas asas passam a bater

E o frio na barriga e a adrenalina me fazem me sentir mais vida do que nunca

Compreendo a imensidão que tudo é

A brisa contra os meus cabelos
E o calor do sol em minha pele
O calor do fogo me dá êxtase

Está em mim um misto das duas últimas sensações:

Vida
Morte

Uma mistura dos dois que só quem já viveu
Só quem já morreu
Sabe

Me permito ser aquecida
Em uma entrega irracional da minha pessoa
Ao calor que só a luz trás

Minhas asas,cada vez mais fracas
Fazem meu corpo ter um peso forte como chumbo
Embora eu estivesse leve como uma pena

Sou tomada por esse ímpeto
Não há espaço a pensamentos
Em um mar de sentimentos
Tão intenso quanto o que eu sobrevoo

Deixo a intensidade levar
Me permito levitar
Sou aquecida
Sinto o amor

Viver
Morrer

Morrer
Viver

Viver
Morrer

Despenco a beira do sol

Enxergo o tempo,
escuto seu som

A lentidão
E a rapidez
são um só
se aglutinam no agora

Observo minha carne caindo dos céus
Em uma velocidade extraordinariamente rápida
Em uma queda como de câmera lenta

Toco o mar
A paz das nuvens e da água me acalentam

Sou novamente envolvida
Acolhida
Abraçada

Água

Estou morta

Água

Me sinto verdadeiramente viva

Água

Renasço

Cercada pelas águas, transparentes como meu ser
Sou preenchida de bençãos do todo maior

Uma segunda chance
A última
Na qual intensidade e equilíbrio haverão de se encontrar

Quem nasce desse encontro
na profundeza marinhas?

Iara

I A R A

Iara

Depois de tanta angústia,
Desespero, medo, sofrimento

De morrer pelo céu e o sol

Perder o fôlego as profundezas aquáticas

Posso respirar de novo

Respiro

O ar invade meu pulmão

E da jornada,
os quatro elementos
se misturam em meu ser

Pertenço ao céu e o mar
O sol, e a sua luz na terra

E agora, renascida
nada será capaz de me matar

TRANS FORMAROnde histórias criam vida. Descubra agora