Ensaboa

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Água escorre em meu corpo
Quente
Me sinto tão vazia, e observo indiferente enquanto o resto de mim se escorre pelo ralo

Não estou sozinha
Meu coração pesa
Penso que merecia estar

Sou banhada de cuidado e afeto
Dos seus olhos transbordam marés de preocupação
O gosto salgado de sua aflição invade minha língua
O peso da culpa se ergue sobre minhas costas
Em sua frente desmoronei
Em lágrimas incompreensíveis me esvaziei
Te afoguei no meu desamparo

Você continua a me ensaboar com afeto
Sou limpa por fora, mas por dentro o inexplicável continua a corroer
Não consigo mais calar no fundo o sofrer
Me sinto perdida como nunca, nada que eu faça me preenche o mínimo

O chuveiro se fecha
Um alívio exala de minha pele seca
Mas a alma continua a palpitar
Não terei sossego enquanto não tecer minha dor em palavras

Escrevo, me empenho em traduzir o turbilhão
E ainda assim não compreendo

Ontem estive eufórica
A vida foi colorida, levar alguns tombos era tarefa simples e não havia desamparo que não fosse dissipado em uma boa conversa

Hoje estou exaurida
A euforia precede exaustão
Existir cansa

Já me motivei acreditando que era possível chegar lá
Levantei e me coloquei a correr
Correr e correr cada vez mais rápido
Saltar quando necessário
Desviar quando tentador
E correr mais um pouco enquanto fosse possível

No fim do dia, o suor é limpo por um banho quente
Mas o vazio continua corroendo por dentro
Posso ter corrido labirintos sem fim
Ainda assim nunca parece ser o suficiente
Sempre termino sufocada
Desacreditada de que por trás de tudo isso ainda existe um porque

Não consigo desver o fato de que na verdade, lá não existe
Não chego lá porque não existe
Posso me esforçar entregando me inteira no que quer que eu faça
Fazer por fazer
E fazer mais um pouco já que assim me disseram
Mas no fim do dia continuo aqui

Opaca
Prazer nenhum mais ousa me atravessar
E quando você me olha depois de mais um banho quente e me pergunta se estou melhor
Digo que as vezes penso que você é bom demais pra ser verdade
Mesmo já tendo te visto desmoronar na minha frente

A gente se desmorona
Reconstrói
Ensaboa o vazio do outro nos dias cinzentos
Sobrevoa a euforia nos dias coloridos
Sabor bom ou ruim
Sempre passa

Lá não existe
Aqui estamos eu, você
E o vazio do porque correr tanto pelo inalcançável
Acreditando nos dias de esperança que é possível o lá alcançar
Mesmo no fundo sabendo que não
Não passam de mentiras tão vazias quando o quer que ainda habite em mim

Tudo pelo que rezo é que mesmo ardendo de dor eu ainda possa me reconstruir por inteiro
Pra me entrelaçar a você apesar de qualquer crise existencial

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