Olhares

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Olhares ardem em mim
No meu corpo, no meu ser

Eles me encaram como se conseguissem enxergar no fundo da minha alma
Tamanha intensidade

Mas não são capazes de penetrar sequer a minha carne

Olhares, de tantas cores e tons
Infinitos jeitos de me perceber, ler e sentir

Alguns, me enxergam através
da curiosidade

Aquela que reside na pureza do olhar de uma criança
Como quem descobre o mundo sem julgamentos
Onde não existe preconceito, ódio ou lamento

Mas a maior parte deles
Carrega desprezo

O desprezo está naqueles que cresceram
E esqueceram a liberdade que já tiveram um dia
De poder existir sem complicar ou reprimir
Até aprender a guardar

Guardar alegria, esperança,
e aquele jeitinho de andar de quem simplesmente é

Guardar todos os seus sabores, texturas e sons
Tudo que trazia vibração quando compartilhado

Esconder toda luz bem no fundo da alma
Já que quem brilha há de ser perseguido

Por isso não resta escolha a não ser calar

Calar a sua voz,
fechar a boca sobre os pregos das normas

Se esconder sob uma máscara, se forçar e sangrar pra caber dentro de uma rígida caixa

Sofrimento. Angústia. Dor.
Só é possível sentir isso sendo fiel aos espinhos

Matando a si durante o raiar de sol de cada dia,
e a sombra de cada noite, sempre que ele ousar aparecer

Ódio

Parece ser o único outro sentimento disponível
Gerado por esse caos explosivo e dilacerante
Sentimento pesado e tão grande,
que não cabe mais dentro dessa bagunça

O ódio há de ser direcionado
Numa ingênua tentativa de expurgar a dor
Machucar quem quer for
Na expectativa de diluir o próprio sofrer

Detestar todos aqueles que ousam fazer diferente
Todos que se permitem ser quem são
Sem máscaras, fora da caixa
Correndo contra maré apesar de tantas consequências

Odiar arduamente quem se lembra
Se recorda da liberdade de simplesmente ser
E honra ela, entregando a vida a esse sentir, por merecer

Quem vive sem julgamentos ou complicações sobre si
E tem coragem de brilhar em um mundo tão escuro

Como ousam?

Como ousam saltitar pela vida com o entusiasmo de uma criança curiosa?

Como ousam transmutar tamanha dor na própria felicidade?

Felicidade,
o prazer mais imenso de todos os prazeres existentes

Ao olhar o sorriso alheio
Brilhante e ousado
Abre-se espaço para um último sentimento

Desejo

Chama que surge forte, inesperada
Ideal da fuga da prisão de convenções

Perseguição sedenta por um momento
Em que seja possível experienciar o próprio corpo sem medo

Olhares carregados de tesão
Me encaram de toda parte

Neles,
queima uma sede pelo fruto proibido
Desejar o alvo de ódio e desprezo
E mergulhar no prazer que ele tem a oferecer

Não pelo corpo em si
Mas pela sensação de ousadia tão cobiçada
Mesmo que por uma atitude tomada
Na oculta calada da noite

A noite, desfrutar o prazer que tais corpos proibidos podem proporcionar

De dia, direcionar ódio e desprezo a cada um deles,
sentimento nascido da própria covardia

Olhares,
e mais olhares,
tão diversos

Eles carregam e misturam entre si sentimentos
Em uma dança caótica que não sabe se diz sobre si ou o outro

Curiosidade

Desprezo

Ódio

Desejo

Tesão

É impossível descrever o sabor, o calor que esses olhos me trazem

Quando tais olhares não conseguem me iludir

Me satisfazem

Afinal, eles dizem mais que qualquer palavra

E dizem muito sobre o que está guardado,
escondido dentro,
e bem lá no fundo
de cada observador

Olhares,
queimam a minha pele,
e me mostram a verdade

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