Sou?

1 0 0
                                    


Meu corpo é meu abrigo
Mas as vezes sinto como se fosse um fardo,
me colocasse em uma tempestade

Não o meu corpo em si
O lugar dele no mundo é o que dita tudo
Todas as minhas paranóias, ansiedades, dores e aflições

Eu me sentia tão bem
Até que começaram a apontar defeito atrás de defeito estampado em minha pele

O que tem de errado comigo?

Sou eu mesma que preciso ser consertada?

Me afundando cada vez mais no nada

Não pertenço a mim
Nem ao mundo

Sou apenas um defeito, erro de fabricação

Coitada
Nunca vai ser genuinamente desejada
Pra além de um objeto
Por quem é

Só enxergam a minha carne
Não sou a minha carne
Sou Iara

Sou Iara?

Sou?

Tempestade caótica
Agita e abala minha alma
Me faz duvidar de tudo que já acreditei saber um dia

Se já tive certeza da simplicidade da vida
Não tenho mais

Tudo passa a se complicar
em uma espiral de dilemas intermináveis

A repetição dos mau olhares
me faz acreditar
que o problema está em mim

Me perco do que já encontrei
Cada uma das minha preciosas descobertas
se esvai em esquecimento
Nada sei

Estou opaca,
vulnerável a ser invadida
por uma violenta onda
destruída

Mil e uma vozes me atormentam,
convictas de suas falsas verdades
como se pudessem ter vantagem
sobre o meu verdadeiro ser

Ouço com atenção cada uma delas
Não sou forte o suficiente pra me fazer morada
Permito que entrem
Me derrubem

Deixo que me deem facadas
Disfarçadas sob o sorriso de ingênuas sugestões

Doces conselhos
Que me fazem menor

Gargalhadas em um leve riso
Executado sobre meu silencioso sofrer

Cada comentário é como uma tonelada a mais pesando forte em meu ombro

Carrego o fardo de existir
Ou de não existir em minha verdadeira forma

Já estive de um lado do oceano em que não sabia tanto de mim
Não me permitia sentir-me

Até que tive coragem pra atravessar o mar
Entender de mim
Mergulhar

Me viram como sereia
Depois do espanto, se encantaram
Decidiram me trazer arrastada em uma rede ao outro lado da encosta

E hoje luto pra não morrer afogada de asfixia
Outra gaiola com mil e uma limitações
Não sou capaz de existir nesse cansativo ciclo

Se morro enquanto sereia
Me tentam fazer robô

Me ajustar em uma lista interminável de regras
Banhada na insatisfação
Meu corpo se transforma em um inferno

Instalam peças motorizadas que nada dizem sobre mim
Apenas protocolo padrão

Reinstalam a lógica do cistema
Agora grudada em minha mente
Reduzida a um pequeno chip,
tão barulhento
que me faz surda
som violento

Tomada de agonia sem saber aonde ir
Todos os caminhos possíveis são considerados errados
Os que dizem ser certos não são congruentes com minha verdade

Não quero viver uma mentira
Não sou uma boneca
Minha pele não é plástico

Há sangue quente correndo em minhas veias
Jorrando morte, matada e lenta
Enquanto é abraçada pelo último pingo de vida que resta em mim

São as batidas de meu coração
Ao menos elas ainda me pertencem
Ocupam o centro desse corpo que dizem necessitar tanto ser ajustado

Até que meus próprios sons cardíacos
Me lembram de mim

Me trazem de volta
Tudo está exatamente como deveria
Minha vida flui

Sou muito maior
do que o emaranhado de nós
costurado perversamente em meu corpo

Me olho no espelho
Apenas observo

À princípio pareço tão pequena, não sou nada
Até que meu olhar encontra seu próprio reflexo estampado no vidro
Me encaro aberta, busco compreensão
Me vejo imensidão

Sou?

Não faz sentido buscar a isso uma resposta

Isso seria me limitar a poucas possibilidades

Quando sou vasta demais pra caber em palavras

TRANS FORMAROnde histórias criam vida. Descubra agora