CAPÍTULO 47

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Anna Gohann

Rainha Anna,

Se esta carta chegou as suas mãos, significa que eu não voltei vitoriosa da batalha. Que eu sequer voltei.
Não vou dizer que sinto muito por ter partido na calada da manhã, foi o melhor a se fazer naquele momento. Mas sinto muito por decepcionar vocês, principalmente você, Anna, que sempre esteve ao meu lado.
Não posso me prolongar nesta carta, por isso lhe pedirei logo meus últimos três desejos.
Primeiro você deve ter conhecimento da dívida de sangue que Salim tem comigo, qual eu jurei que cobraria no dia que saí daquele lugar. Você deve cobrá-la, Anna.
Lucy devolverá seus dons e os de Erin e Alice por uma única semana, e junto com Cássie vocês devem destruir completamente Salim, façam com que as forças da natureza se voltem contra aquele reino e aniquilem para sempre a mancha do mal que ali paira.
Meu segundo desejo é que você cuide de Aurora. Eu sei, é uma responsabilidade muito grande, mas você é a única capaz de fornecer a minha caçula o que ela precisa. Vocês têm o mesmo coração, Anna, não a confio em mais ninguém, nem mesmo a Cássie que irá fazer de tudo para criar com perfeição a próxima herdeira.
E meu terceiro e último desejo é que nas ruínas de Salim você erga um novo reino. O Novo Quinto Reino Místico, o equilíbrio que falta ao império. E todos os anos, no dia da fundação, deve virar uma tradição o Festival da Renovação, onde todos, na primeira hora da manhã, devem renovar seus votos de fidelidade ao império e depois festejar por todo o dia, enquanto desejarem, até o próximo alvorecer.
Celebrem a paz depois da guerra, curem os feridos, afastem os traidores e joguem óleos perfumados onde um dia correu sangue.
Seja feliz, Anna, confie em seu coração e permita que ele te guie.
Obrigada por tudo que fez por mim, minha verdadeira irmã.
Nos encontraremos um dia.
Eu te amo.

                Héstia Luz Dallow, Rainha da Lhuria

Quando eu terminei de ler, lágrimas pingavam no papel amarelado, borrando a caligrafia apressada de Héstia.
Eu não acreditava no que estava acontecendo, não podia ser real.

— Por que você fez isso, Héstia? — murmurei para a brisa fria do começo da primavera, sentindo meu peito arder intensamente.

Eu acreditava que ela voltaria viva.
Machucada, porém viva.
Ela sempre voltava.
Mas nas horas que sucederam a partida da rainha da Lhuria, o ar ficou parado, como se ele próprio estivesse prendendo a respiração, com medo do resultado que o duelo traria. 
Porém por volta do meio dia, nuvens encobriram o sol tímido que começava a aparecer depois dos meses de inverno e uma grande onda de energia varreu o império, como se uma grande fonte de poder tivesse estourado e a magia corresse livre pelo mundo. Então de Norte a Sul, de Tarack até Devália, todos os dragões urraram em dor para o céu e os guardiões enfraqueceram momentaneamente, e todos soubemos que  a rainha e Destroyer tinham partido.
Depois o céu se desfez em uma chuva intensa e carregada de trovões, com grandes granizos que alvejavam o chão como se soubessem que ele continha o sangue de Héstia, como se o desprezasse pela morte dela.

Olhei mais uma vez para a carta na minha mão e vi fagulhas de fogo corroendo o papel lentamente.
A soltei em um impulso, olhando incrédula para minhas mãos e sentindo o zumbido ardente e familiar do fogo dentro das minhas veias.

— Você nunca vai me dar uma escolha, nem mesmo depois de morta, sua desgraçada?

Me joguei em uma cadeira de estofado vermelho e me permiti chorar intensamente, sentindo as lágrimas escorrerem quentes como lava incandescente pelo meu rosto.
O ar rodopiou ao meu redor, como se me acariciasse suavemente, beijando minha pele e resfriando minhas lágrimas.
Mas não acalmou meu coração dilacerado, nem minha alma fragmentada. Ela estava morta e tudo que me restava era uma raiva amarga e destruidora.
Batidas nas portas brancas dos meus aposentos no Palácio da Lua fizeram meus olhos secarem imediatamente e minha coluna se endireitar em uma postura rígida é perfeita.

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