CAPÍTULO 41

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Três meses depois

O vestido volumoso e cravejado de cristais não combinava com meu rosto, não mais.
A princesa que o vestiu meses antes não existia mais, a pureza de seu olhar tinha sido tragada e transformada em determinação de aço. A beleza angelical de sua face tinha sido triturada, cortada, recolada por diversas vezes na procura de voltar a ser o que era antes. Mas não voltou. As longas e irregulares protuberâncias avermelhadas em minha pele a retalhavam completamente. Metade do meu rosto coberto por cicatrizes, destruído para sempre pelas garras de Elinor. Destruído da mesma forma que o de Heitor.
Aquele vestido podia ainda abraçar meu corpo perfeitamente, mas não abraçava mais minha alma. A dor que ele me causava era insuportável, como se a seda e o tule estivessem cravejados de agulhas e alfinetes, ferindo cada centímetro da minha pele.
Ele me causava dor por um dia ter representado o que mais me fez feliz e naquele momento, a imagem refletida no espelho refletia apenas um erro, refletia apenas uma requintada vestimenta envolta em um corpo que não fora capaz de cumprir sua única missão.
Elinor teria conseguido me matar se a própria deusa não tivesse intervido. Se Lucy não tivesse aberto uma brecha.
Lágrimas ardentes inundaram meus olhos, mas não permiti que elas molhassem a face destruída. 
Não existia mais espaço para elas, não existia mais espaço para fraquezas.
Com um soluço abafado minha mão subiu até meu peito e agarrou o belo corpete brilhante do vestido completamente bordado com minúsculas pedrarias e com um único puxão, o destruí. O barulho das pequenas pedras quicando no chão parecia distante aos meus ouvidos, o vento gélido vindo da montanha tocou meu busto nú. Quando o tecido branco escorregou seus retalhos por minha pele, deixando meus braços a mostra, as dezenas linhas de cicatrizes formavam uma renda eterna em meu braço direito. Eu sabia que perna estava igualmente destruída. Nenhuma magia capaz de reverter a aparência brutal, as marcas que a batalha perdida e a dor cravaram em minha pele.

— Você nunca foi uma princesa — sussurrei para o espelho.

Ele parecia zombar de mim, refletindo meu tórax nú, um braço coberto de cicatrizes, uma saia rodada e brilhante e uma coroa que brilhava solitária em minha cabeça. 
Minhas duas metades. A princesa e a guerreira. Ambas com uma única missão: proteger seu povo.
Mas não existia mais a princesa dentro de mim, ela  foi sufocada pela guerreira sanguinária, foi sufocada pelo ódio que se alastrou em meu sangue que um dia foi completamente puro e imaculado.
As palavras que Cássie proferiu meses antes, no momento em que minha vida e a de Henri criaram um laço definitivo sob a luz mágica do luar ficaram sólidas em minha mente:

"Héstia Luz Dallow, você jura diante da poderosa lua cheia, cuidar e proteger do seu prometido, honrar vossa união e ser fiel ao seu homem, fazendo sempre o melhor para ele e seus descendentes?"

Meu prometido, naquele momento eu jurei cuidar e proteger Henri, jurei proteger nossos descendentes. Mas não fazia mais sentido. Como proteger meu amado se não conseguia proteger nem a mim mesma? Como proteger um império quando minhas forças fraquejaram quando mais precisei?
Outra lágrima ardeu em meu olho, mas o que escorreu foi o sangue quando afundei minhas unhas na palma da mão, sentindo a dor consumir a angustia.
Não existia mais espaço para fraquezas.
Movida por outro impulso de raiva, segurei a volumosa saia brilhante, com dezenas de finas camadas de tecidos e pedras, tão perfeitamente costurada, tão linda. Meu coração se apertou ao olhar para meu reflexo novamente.
A princesa não existia mais.
Puxei com força os tecidos, fazendo retalhos do que um dia foi a mais bela roupa que abraçou meu corpo, destruindo completamente o que restava do meu vestido de noiva.
Destruindo como eu fui destruída.
A brisa noturna abraçou minha pele nua, arrepiando meus pelos e estremecendo meu corpo. O espelho refletia minha perna intrincada com cicatrizes, a perna de uma guerreira. As cicatrizes, aos olhos de outros, tiraram minha beleza, mas aos meus, representavam a ferocidade da determinação que se alojara em meu peito, queimando cada fagulha de fraqueza, de medo.
Minha deusa salvara minha vida e eu honraria seu presente, não seria um desperdício.

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