CAPÍTULO 22

549 100 11
                                    

Sentia o poder correr em cada centímetro do meu corpo.
O fogo não era um dom, eu não precisava ter uma tocha do meu lado ou uma fagulha ao alcance, não. Quem necessitava manipular algo já existente eram os guardiões, não uma descendente direta de Lucy.
O fogo era meu, eu o criava a partir do zero.

— Se concentre, Héstia. — A voz de Henri era calma, mas não escondia a repreensão.

Ironia do destino ou não, para o bem ou para o mal, sorte ou azar ele era meu tutor, meu treinador. O homem que iria me fazer uma mulher apta ao trono, me direcionar rumo ao meu destino.
Nossa relação não estava muito boa, nossas diferenças estavam se sobrepondo e os únicos momentos que eu passava ao seu lado era nas horas de treinamento durante o dia.

— Eu estava concentrada, até você falar.

Abri os olhos e permiti que meus braços caíssem moles ao lado do meu corpo.
Tínhamos chegado no local de treinamento junto com a aurora, mas naquela momento o sol já quase chegava ao centro do céu. As pedras absorviam o calor, deixando a sensação térmica alta, fazendo parecer que a temperatura estava mais quente do que na realidade.
Meus braços doíam, minha cabeça latejava e minhas pernas tremiam, quase não aguentando mais o peso do meu corpo.

— Se você estava tão concentrada, por que a pilha de palha ali não soltou nem uma fumacinha? Héstia, você está treinando para uma guerra, não tem o luxo de querer ou não aprender a lutar. Faíscas não vão te salvar, você precisa de um incêndio, você precisa ser o incêndio.

Aquele era o grande General Gohann, nada além da perfeição importava. Nada além do certo.

— Eu estou cansada.

Permiti que minhas pernas fraquejassem, me sentando no chão quente. A única coisa que separava minha pele das pedras era uma calça de tecido grosso e uma imitação de armadura em couro.

— Héstia, olhe para esta cicatriz — ele apontou o próprio dedo para a cicatriz que descia do extremo de sua orelha, pelo pescoço até sumir na armadura em couro igual a minha que ele usava. Armaduras de treinamento — eu estava em uma batalha, no comando de um exército pela primeira vez. Tinha a sua idade e por mais que eu pensasse que tinha preparado meu corpo o bastante, que meu físico estava perfeito, apto para a luta, me cansei, fiquei exausto. Mas não podia desistir, e bastou um erro, um único erro para duas cicatrizes me marcarem para sempre.

Seu olhar estava divagando em algum lugar distante, em uma memória passada, nebulosa e dolorosa.

— Duas? Sua pele está marcada com uma, até onde posso ver, Henri.

Seus olhos encontram os meus, mas preferia que não o tivesse feito. A dor neles era tão palpável que senti meu coração se contorcer, errando uma batida. Maldita hora que fui perguntar.

— Exatamente, até onde você pode ver — ele traçou o caminho que a linha branca e irregular marcava com seu dedo e continuou descendo até chegar no lugar onde seu coração devia estar batendo forte — a outra está bem aqui. A dor da perda marca uma pessoa profundamente, e eu perdi, perdi meu melhor amigo e a responsabilidade foi minha.

Prendi a respiração, com medo de ver lágrimas brotarem em seus olhos, não suportaria vê-lo chorar. Mas isso não aconteceu, ele era feito de pedra. Com nossos momentos furtados, quando ficávamos a sós em um mundo que criamos e não existia, eu criei um Henri que só existia para mim. O Henri doce, gentil, romântico e sensível. Mas ali, ele não era aquele Henri, ele era o General Gohann, o homem responsável por um dos maiores exércitos de Aridon, ali ele era Henrique, o estrategista, bruto, frio e calculista.
Para mim ele dava rosas quando estávamos a sós, mas para os seus inimigos ele dava lanças cravadas no coração e lâminas que degolavam gargantas.

Imperatriz da Lua Onde histórias criam vida. Descubra agora