CAPÍTULO 1

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Era como olhar para uma pintura morta e congelada, um quadro feito com a essência do vazio. O sol se levantava no leste, mas seus raios não tocavam as terras congeladas, apenas uma pouca luz doentia iluminava a manhã fria, tão fria quanto qualquer outra manhã de inverno em Salim.
Uma espessa camada de nuvens cinzas dominava o céu por longos meses a fio, os mares se tornavam sólidos e nada crescia, nada nascia.
Até que eu gostava do clima rigoroso, mas naquela manhã a temperatura tinha congelado meu chá fumegante antes mesmo que pudesse o levar de encontro aos meus lábios e todos os pelos do meu corpo estavam eriçados sobre a pele fria, nem mesmo o grande casaco de pele de urso a aquecia de forma apropriada.

— Ailyn, você está atrasada. — A voz rouca de Mália soou impaciente atrás da grossa porta de madeira.

Suspirei pesadamente, de forma involuntária, e minhas narinas arderam quando entraram em contato com o ar gelado de forma brusca e uma grande quantidade de fumaça branca saiu de minha boca quando expirei lentamente.
Me afastei da janela, deixando sua paisagem gelada, fria e cruel para trás.
O inverno não era lindo, não como eu costumava pensar que era quando ainda não passava de uma criança. A neve branca não era pura, não era imaculada, não era inocente. Ela matava, machucava e destruía, era cruel para quem sabia enxergar sua crueldade. Sua beleza gelada encantava os olhos e depois, lentamente, matava o corpo de forma dolorosa e certeira.
Lentamente abri a porta, que fez um barulho abafado, e me deparei com uma senhora de olhos azuis vívidos e rosto severo.

Me surpreenderia se algum dia Mália estivesse contente.

— Vinte minutos, Ailyn. Você sabe o quanto sua mãe repudia atrasos e como a culpa pelos seus sempre recaem sobre meus ombros.

A expressão no rosto de Mália se endureceu ainda mais quando seu olhar foi de encontro ao casaco que cobria praticamente todo o meu corpo.
Eu deveria estar vestida adequadamente.

— Deixe Elinor dizer o que quiser. Ela não se importa de verdade, você também não deveria se importar — suspirei e mais fumaça branca se dissolveu no ar.

Rainha Elinor era como um espinho infeccionado em minha alma. Suas palavras banhadas em veneno feriam meu coração, sua presença aprisionava meu espírito e sua frieza atiçava minha ira. Elinor era minha mãe, mas era como se fossemos completos opostos, se distanciando, criando um abismo profundo e obscuro entre nós.

— Eu tenho um trabalho a ser feito, Ailyn — Mália caminhou até a janela de madeira enegrecida e a fechou, bloqueando a paisagem pálida e fria — se você puder me ajudar e tirar esse casaco horrível, eu agradeceria.

— Diga para a rainha que acordei resfriada novamente. Todos sabem como minha saúde é frágil — falei indo para perto da janela e a abrindo novamente, apoiando meu peso em sua estrutura forte e sentindo o vento frio ricochetear meu rosto e bagunçar meus cabelos claros como a neve.

Olhar para a imensidão branca, o mar congelado e as pessoas encapuzadas nas ruas distantes, além dos muros, fez meu coração bater mais forte contra o peito e meu sangue correr mais rápido nas veias, aquecendo minha pele fria.

— Existe algo lá fora, Mália, algo que canta meu nome e clama pelo meu sangue. Preciso descobrir o que é, meu corpo pulsa como um coração vivo, pronto para atender esse chamado.

O arrepio que percorreu meu corpo não foi de frio. Foi adrenalina, foi ansiedade, foi de certeza que algo muito grande me aguardava do outro lado dos muros, longe de Elinor e do fardo que era minha coroa.
Quando me virei para encarar o rosto da minha dama de companhia, seus olhos brilhavam de uma forma jovem, brilhavam de uma forma que eu nunca vi em toda a minha vida.
Meu coração se acelerou mais ainda.

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