CAPÍTULO 30

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O sol queimava nossas cabeças, as armaduras e os grossos tecidos faziam nossos corpos já molhados de sangue, se banharem em suor, o sal de nossas próprias peles penetravam nas feridas doloridas, as fazendo queimar como o fogo, nos enfraquecendo ainda mais.
Mas eu não sentia.
Eu não via.
Eu não ouvia.
Meus olhos só conseguiam se focar no meu irmão, o irmão que a tanto tempo eu não via. Seus olhos estavam diferentes, cintilavam em um tom doentio de laranja, as expressões de seu rosto estavam duras e frias e seu corpo tinha mudado, estava maior e mais rígido, como se nos últimos meses tivesse passado cada minuto treinado e se aprimorando. E a maior prova era o sangue escarlate que pingava de sua espada, cada gota brilhando como cristais vermelhos a luz escaldante do sol.

— Ouvi dizer que os lhurianos protegem os seus, que morrem por quem amam. Creio que acertei o meu alvo — ele disse olhando para cima e sorriu, um sorriso frio e cruel.

A voz de Heitor estava mais grossa, menos viva, como se um cadáver fosse obrigado a pronunciar palavras com sua mandíbula dura e fria. Ele tinha mudado.

— Todos deviam morrer por quem amam — falei encarando seus olhos, que tinham voltando ao tom de avelã que eu me lembrava, porém sem nenhum brilho.

Queria que ele se lembrasse, lembrasse de mim, do nosso amor, da nossa cumplicidade, do nosso juramento de sempre proteger um ao outro.
Heitor não pôde impedir Fergus de dar a minha mão para Kamal, mas realizou meu maior sonho quando me tirou de dentro do palácio de Salim, me deu sua maior prova de amor ao ir contra tudo que fora criado para ser, desafiando seus pais por uma princesa qual já tinha seu futuro escrito. Mesmo involuntariamente ele me salvou, ele me encaminhou para meu verdadeiro destino no momento em que cavalgou comigo até os muros. E eu queria dar a mesma oportunidade a ele, de conseguir seguir seu próprio caminho, não o de Salim enquanto fosse governado por Elinor.

— Somente os fracos escolhem morrer, os fortes lutam e se vingam.

Olhei para Henri caído a poucos metros no chão ensanguentado, seu tórax se movia grotescamente, com a tentativa desesperada de colocar oxigênio em seus pulmões debilitados.
O sangue saía de seu corpo como água derramava de uma fonte, se espalhando pelo chão e pintando a terra de escarlate.
Meus olhos arderam com a cena, a última coisa que eu fiz foi dizer que não mais o amava. Claro que era mentira, por mais que Henri tivesse me irritado, por mais que ele fosse um frouxo, vê-lo caindo no chão, ensanguentado e agonizando, fazia meu coração se quebrar em mil pedaços. Não me arrependia do que fiz ou disse, ele precisava ouvir, mas me arrependia de ter quebrado a única promessa que fiz a ele quando me contou a história de sua cicatriz

"Eu vou fazer diferente, Henrique, eu prometo não perder nenhuma vida por um erro meu."

Heitor só o atacou porque queria a mim, de alguma forma sabia que ferindo sua carne estaria ferindo a mim, o matando estaria matando uma parte de mim, que fazendo o que fez teria minha ira totalmente voltada para ele e, assim, teria a oportunidade de derramar meu sangue e honrar sua mãe e seu reino.
Não foi um erro de estratégia de combate, mas foi um erro pessoal, eu sabia o que estava por vir, e marquei um alvo nas costas do general no momento em que recusei Lucas e o olhei de forma diferente, me esqueci de que as paredes tinham ouvidos e as plantas tinham olhos, me descuidei, fui inocente ao pensar que a escuridão encobria nossa traição, nosso romance.
Os criados sabiam de tudo, as servas viam tudo, seria apenas questão de tempo até alguém descobrir e usar a informação contra mim.
Eu prometi a Henri que ninguém morreria por um erro meu, mas acabei fazendo dele próprio o maior alvo.

Chame Lucassussurrei em pensamento para Destroyer ao mesmo tempo que pulei no chão, abandonando meu maior trunfo naquela guerra.

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