A aflição tomava conta de todo o bar, ninguém presente ousava piscar enquanto a jornalista na televisão anunciava a finalização da contagem dos votos. Até Daniel, que inicialmente não quis estar ali, prestava atenção no que era dito e sofria com a expectativa de não serem maioria no referendo. Era inacreditável que sua primeira vez em um ambiente exclusivo para a comunidade LGBT seria acompanhado de todos os seus amigos vestidos em cores do arco-íris e que ele estaria enrolado na clássica bandeira do movimento, esperando a notícia de que seria aprovado ou não o casamento civil e o direito de adoção de crianças por casais do mesmo sexo na Suíça. Era uma ótima distração para a sua cabeça atormentada e estava feliz pela oportunidade de mudanças no governo que afetariam seu futuro.
Sua cabeça andava atormentada na semana seguinte ao desaparecimento de Pedro, mas a descoberta de seu transtorno mental foi menos dolorosa do que havia imaginado, pois seus amigos revezaram horários para mantê-lo alheio aos próprios pensamentos. Sentia-se muito grato por ter quem o apoiasse e exausto por todas as sessões de estudo, treinos e eventos que obrigaram Daniel a ir.
No domingo, recebeu uma ligação de Pamela explicando que o garoto apenas desmaiou em algum ponto da estrada por conta de uma leve intoxicação causada pela junção de álcool e remédios psicotrópicos, mas nunca mais entrou em contato. Dan não sabia em que hospital Pedro estava, nem mesmo quantos dias ficou lá. Durante as noites, quando se encontrava desprovido de companhia para ocupar a mente, chorava inconsolavelmente por não ser a pessoa ao lado dele num momento tão delicado e sentia um ódio imenso ao imaginar Pamela de volta ao seu posto de namorada exemplar, cuidando dele como se não houvesse o destruído menos de um mês atrás. Preocupava-se ainda com a decisão que ele tinha feito antes, pois cortou a moça de sua vida a fim de superar o relacionamento e lá estava ela novamente. O sentimento de impotência tirava seu sono e via-se atualizando o aplicativo de mensagens a todo instante, rezando para que Pedro o respondesse, mas nunca o fez.
Na segunda, recebeu um sermão de sua psicóloga sobre não confiar às pessoas sua felicidade, pois tragédias acontecem e não deveriam deixá-lo tão abalado. Também deu uma longa aula sobre transtorno bipolar e garantiu que, com a medicação certa, Pedro poderia viver muitos anos sem sintomas. Aquilo tranquilizava um pouco o protagonista desta narrativa, que passou a nutrir esperança sobre criar um futuro saudável com o menino dourado. Era tudo muito novo e ele tentava a cada dia buscar um pouco mais de conhecimento acerca do assunto, pois o saber evitava seu coração de acelerar e sua garganta de fechar em ansiedade.
Porém, o instante em que vivia não carregava o peso dos problemas sem resolução, especialmente porque Vincent entregou ilicitamente alguns copos de cerveja para garantir a animação do menino. Agarrava as pontas do tecido colorido que o envolvia para manter o controle sobre os próprios nervos, murmurando ofensas à âncora do jornal por não ser lacônica. Cada palavra que ouvia era incoerente até que finalmente anunciou que houveram 64,1% de votos a favor da causa.
Uma horda de gritos se instalou no ambiente, as pessoas agitadas pela felicidade. Aaron e Henry correram para abraçar Daniel enquanto pulavam de felicidade. Nunca tinha ouvido tanto barulho no silencioso outono de Genebra, esse tipo de alegria geralmente aparecia nos festivais de música que ocorriam no verão e a cidade permanecia morta nos dias frios de inverno.
"Vamos para a rua celebrar." Vincent apareceu quando a algazarra diminuiu, sua frase contendo um subentendido de que precisavam sair para mostrar que venceram aos conservadores postos em volta da prefeitura.
Apesar da votação não ter ocorrido na cidade, os lados opostos se instalaram lá para garantir a briga após o resultado. E, por isso, o britânico tinha escolhido aquele bar, pois o tanto que ele gostava de escandalizar a população mais velha que acreditava nos valores tradicionais da Igreja era imensurável. Tal fato divertia Dan, especialmente por ele fazer isso de peruca e salto alto.
"Seu pedido é uma ordem." Faraji foi o primeiro a segui-lo, consertando o cachecol de plumas ao falar e mostrando as costas da sua blusa "free Britney".
Entre eles, esperavam que o governo estivesse a favor da causa, afinal o século XXI demandava direitos igualitários há vinte anos e muitos países da Europa já tinham feito sua parte. Portanto, saíram e juntaram-se à grande baderna do lado de fora, composta em sua maioria de jovens em cores berrantes.
O loiro teve que parar um segundo e contemplar o que via em volta, contente por ter revelado seu maior segredo ao mundo. Guardaria aquela cena em sua memória como o primeiro dia em que de fato se orgulhou de ser quem era e, em consequência, resolveu abrir a câmera do Instagram para compartilhar o entusiasmo da juventude que agora poderia legalmente formar famílias. Entretanto, não concluiu a ação, pois o feed mostrou uma foto de Pedro e Pamela juntos em alguma praia, lindamente bronzeados e mirando sorrisos um ao outro. A legenda da imagem, escrita pela garota, era uma declaração de amor, comemorando os quatro anos de amor e uma vida de cumplicidade. Contra seu bom senso, abriu a seção de comentários, vendo que o brasileiro respondeu com um emoji de coração.
Daniel não conseguia tirar os olhos do post por mais que isto causasse seu coração a comprimir em seu peito e seu estômago a gelar em decepção. Tentou forçosamente inspirar pelo nariz e expirar pela boca, como havia sido ensinado para momentos de tensão que parecia que ele ia sufocar nas próprias emoções, mas não foi de grande ajuda para recuperar o fôlego. Logo, a vertigem tomou conta dele, seus ouvidos zumbiam, seus joelhos não eram mais capazes de mantê-lo em pé, e seu corpo estava dormente.
Fechou os olhos, prevendo a queda, contudo, esta nunca veio, porque Aaron o segurou pela cintura e o guiou para longe da multidão. Sentia desespero por ter os pulmões a doer sem ar e por nem saliva passar pela garganta. Pensou que padeceria ali, em um banco público tendo Aaron a encará-lo em pavor e gritar seu nome repetidamente. No futuro, saberia que era uma crise de ansiedade e aconteceria outras vezes se ele não aprendesse a processar as próprias emoções e não postergá-las.
Nota do autor: E aí, algum palpite sobre esse post da Pamela? O que vocês acham que acontecem com o Pedro? Eu escrevi esse capítulo em setembro, quando a Britney ainda não tinha sido liberta e a lei na Suíça tinha acabado de ser aprovada. Acho que agora não vai ter mais o mesmo impacto que no dia que eu escrevi, mas espero que tenham gostado. Não esqueçam de VOTAR e COMENTAR.
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Itapoga (Romance gay)
RomanceGostaria de possuir um dom que me permitisse resumir essa obra em breves palavras, porém, não sou capaz. Seria de natureza impossível mostrar toda a profundidade psicológica do personagem principal, Daniel, nesse parágrafo; assim como é inviável dim...