Nota do autor: Minha meta era finalizar esse capítulo antes de 2022, nem acredito que consegui :) A música acima é só uma sugestão. Boa leitura!
Daniel encheu os pulmões de ar e passou alguns instantes sem soltá-lo, a breve sensação de agonia devido à falta de oxigênio distraindo-o. Eventualmente, teve que permitir que seu corpo trabalhasse para mantê-lo vivo e foi obrigado a lidar com a realidade diante de seus olhos. Apoiou as mãos dos lados da pia do banheiro, olhando bem para o garoto em péssimo estado que o encarava de volta no espelho. Nunca ligou muito para a própria aparência, mas as noites de insônia, a perda de peso e o choro constante o fizeram irreconhecível para os próprios olhos - era como se estivesse a ver um retrato de alguém desconhecido.
Os últimos dois anos não foram fáceis para Dan e ele tentava repetir o que a psicóloga havia falado para ele horas atrás. Sobreviveu à tempestade e agora era hora de aceitar ajuda para sair daquela situação. Fechou os olhos e deixou a cabeça pender baixo entre os ombros, era doloroso demais aceitar como estava deplorável, e, como consequência, sentiu falta dos cabelos longos que cobriam parte de seu rosto. Respirou fundo, seu foco agora na cartela de comprimidos dentro da porcelana branca. Sobreviveu à tempestade e agora era hora de aceitar ajuda para sair daquela situação.
Pegou o objeto de dentro da pia e olhou-o com cautela. Seu corpo estava dormente e assim também estava seu coração. Porém, sua mente queria sentir uma pontada de raiva de Aaron por ter entrado em contato com sua mãe, que não era bem de saúde, para ajudá-lo. Apesar de a genitora de Dan ter se mostrado sã da última vez que a vira, não confiava totalmente nela com assuntos delicados como aquele. Entretanto, ela soube exatamente o que fazer, surpreendendo o loiro.
O garoto definitivamente estava atônito em ver a mãe depois de passar a manhã inteira prostrado na cama sem forças para ir à escola. Não estaria tão espantado se fosse o papa a puxá-lo para fora do quarto, mas lá estava a senhora o obrigando a ir numa consulta psiquiátrica de emergência que havia marcado para ele e dizendo que já estavam atrasados. Sabia que era verdadeiramente sua mãe pela última parte, sempre possuiu dificuldade de ser pontual e havia herdado o mesmo problema.
Deu um leve sorriso ao pensar em como eram parecidos e uma lágrima quente desceu sua bochecha. Não sabia o motivo daquilo e também não teve muito tempo para refletir, pois Aaron logo bateu na porta do banheiro para saber se ele estava bem. Portanto, teve de enxugar o rosto rapidamente e mostrar para o amigo que ainda estava vivo e hesitante.
"Sei que não está feliz por eu ter procurado uma das pessoas que tens evitado durante o último ano, mas, como teu amigo, precisei intervir e contar à tua mãe sobre as duas crises que teve nesse semestre." Era um pedido de desculpas à maneira de Aaron, implícito e de entonação ríspida. Dan apenas deu de ombros, sem energia para respondê-lo.
Apesar de tudo, era grato por ter Aaron como melhor amigo. Ele continuava provando sua lealdade a todo momento, mesmo com seu jeito orgulhoso e grosseiro. E aquele instante não era diferente, pois carregava um copo de água para garantir que ele tomasse o remédio.
"Está tudo bem, não precisas passar por isso sozinho." Deixou o copo no aparador que tinha no corredor e pegou a cartela da mão do outro garoto, dando um sorriso leve ao fim. "Contudo, exijo que colabore e não estou falando apenas disso aqui. Ingerir algumas calorias extra também é necessário e, obviamente, livrar-se do seu problema de 1,80 e covinhas bem localizadas." Notou o tom de desdém ao falar de Pedro.
Daniel suspirou ao mencioná-lo. Acreditava que ele era verdadeiro em suas palavras e atitudes, e que, quando estavam juntos, tentava escapar da realidade de viver com um transtorno mental. Todavia, ao preferir não contar sobre sua patologia, desaparecia em dias que não estava em condições de fingir que a doença não existia e deixava o loiro a sofrer com a ansiedade de não ter sido bom suficiente. Portanto, esperava que o brasileiro voltasse e fosse completamente honesto. Gostaria de ouvir tudo isso dele próprio e, a partir disso, decidiria o que fazer em seguida.
Sabia que Aaron não entenderia e resolveu engolir um dos comprimidos como forma de desviar do assunto. Era a coragem que precisava para finalmente enfrentar o impasse que teve minutos antes, sozinho no banheiro. O amigo definitivamente havia colaborado, mesmo que inconscientemente dessa vez.
"Feliz?" Daniel forçou um pequeno sorriso.
"Estarei quando as bolsas arroxeadas abaixo de seus olhos sumirem e suas bochechas voltarem a ser macias como sempre gostei." Demonstrou também um pequeno sorriso enquanto passava o braço por seus ombros e o guiava para a sala de estar.
O loiro esteve evitando o movimento contínuo de pessoas no apartamento o dia inteiro, pois não queria ter de falar sobre seus problemas ou fingir que eles não existiam. Aaron percebeu e, por isso, estava sutilmente o obrigando a socializar um pouco, talvez na esperança de não ver o garoto a sós com seu terrível autojulgamento. Dan teve de respirar fundo mais uma vez, preparando-se para o barulho incessante que Vincent, Misaki, Adèle, Henry e Faraji faziam juntos.
Conversavam animadamente frivolidades e não notaram a presença do garoto exausto que se arrastava em direção ao espaço vago em um dos sofá. O único a mirar-lhe os olhos foi Henry, que assustou-se quando o assento afundou abruptamente ao seu lado. Daniel não fez contato visual, querendo que seu gesto rude impedisse o outro de trocar palavras com ele. Não era bem o que o universo tinha planejado para ele naquele dia, estava determinado a não deixar o protagonista desta narrativa sozinho para remoer sentimentos negativos.
"Vai ficar tudo bem, Danny." Ele pegou a mão do amigo e a apertou de leve em forma de confortá-lo, mas sem sucesso. "Ninguém sabe, mas minha mãe tem transtorno bipolar." O loiro teve de encará-lo, pois o outro murmurava baixinho. "Foi diagnosticada bem antes de eu nascer. Não posso mentir, nem todos os dias são flores, mas ela se esforça para ser uma pessoa melhor constantemente, pelo meu bem e de meu pai. Talvez nunca consiga entender como ela se sente quando os remédios não são suficientes para conter a doença, mas tento ser sempre paciente e ajudo como posso para que ela volte a si." O pequeno monólogo fez Daniel suspirar, um pouco aliviado dessa vez. Eram as palavras de consolo que precisava.
Deu um pequeno sorriso e apertou a mão de Henry de volta para mostrar que era grato por ter compartilhado uma experiência tão íntima e útil para ele. Não tiveram tempo de conversar mais sobre o assunto, porque logo um ruído agudo e desafinado de violão violaram os ouvidos de todos ali. Era Vincent, que segurava o instrumento que conhecia perfeitamente pelo autógrafo no canto: seu primeiro violão. Sua mãe deve ter entregado a ele quando esteve no apartamento, era a resposta mais viável para aquela situação.
Ele e Aaron não sabiam nada sobre cordas e acordes, mas fingiam uma performance épica de uma música tradicional francesa, tirando risadas ao dançarem e cantarem de forma exagerada. Dessa vez, Daniel também riu levemente, contente de ter os melhores e mais inusitados amigos.
A pequena distração foi ótima para clarear um pouco mente nebulosa dele, fazendo-o tomar uma decisão por impulso. Abriu o aplicativo de mensagens, eufórico e com o coração a bater incessante em sua garganta, para procurar um encerramento do que mais o afligia. Com dedos trêmulos, achou o contato de Pedro e mandou algo simples, que, por mais que tentasse, não conseguia lembrar dos termos que usou exatamente, sabendo apenas que era um término para o relacionamento indeterminado que tiveram até ali. Não sabia o que sentir depois, mas definitivamente não era o alívio que esperava, o peso nos ombros continuava ali.
Notas do autor: Sim, Pedro vai aparecer no próximo capítulo, não se preocupem! Juro que tudo vai se resolver nesses 5 capítulos que ainda faltam para acabar Itapoga, só peço um pouco de paciência para as atualizações que demoram uma vida. Não esqueçam de VOTAR e COMENTAR para incentivar meu trabalho <3
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Itapoga (Romance gay)
RomansaGostaria de possuir um dom que me permitisse resumir essa obra em breves palavras, porém, não sou capaz. Seria de natureza impossível mostrar toda a profundidade psicológica do personagem principal, Daniel, nesse parágrafo; assim como é inviável dim...