Capítulo 09

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Nota do autor: A música acima é Coisa mais linda - João Gilberto. Para mim, é a música tema dessa obra. (Existe uma playlist no spotify com todas as músicas que apresento ao longo da narrativa. Procure por 'Itapoga' ou acesse o link da minha biografia).

O cheiro de tinta fresca que emanava dos inúmeros quadros expostos nas paredes da ampla sala era entorpecente

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O cheiro de tinta fresca que emanava dos inúmeros quadros expostos nas paredes da ampla sala era entorpecente. O cômodo possuía uma decoração um tanto alternativa com o colorido das pinturas, os discos de vinil e uma quantidade exagerada de livros. A tal ornamentação era de concluir que, assim como Daniel, Pedro morava com apenas jovens adultos.

Entre os materiais de arte e papéis espalhados, viu um quadro recém pintado num cavalete solitário de frente às grandes janelas. A figura se tratava de um bar antigo com chão de madeira e cadeiras rústicas, mas o foco central era um senhor de cabelo grisalho sentado no canto. Reconheceu Joaquim pela pose em que se encontrava: o cotovelo apoiado no balcão do bar, o semblante pensativo e o brilhante copo de gim na mão. Estava hipnotizado com a beleza do afresco, pois possuía traços tradicionais, como os do Renascimento, e Daniel sentiu como se ele realmente existisse.

"Gostou?" Sobressaltou-se com a presença de Pedro detrás de si. "A tela não se parece com o verdadeiro bar e meu bom amigo Joaquim não é possuidor dessa exímia beleza, mas é um belo painel. O quadro teve de ser pintado diferente para ser artisticamente deleitoso e para não sofrer um processo de direitos autorais." Ele tinha o dom de falar com tanta leveza e musicalidade que fazia qualquer problema parecer insignificante.

"É realmente de uma beleza estonteante. Sinto como se fosse real." Daniel disse e virou-se para conversar com o outro garoto adequadamente, assustando-se com a proximidade de Pedro.

Com apenas alguns centímetros de distância, Daniel embriagava-se no perfume amadeirado do brasileiro. Deveria estar constrangido de ter seu espaço invadido, mas a naturalidade do gesto do rapaz o fazia esquecer.

"Aceita?" Pedro levantou uma das mãos e ofereceu uma garrafa de cerveja à visita de 16 anos, que aceitou sem hesitar.

O modo como o brasileiro observava atentamente Daniel enquanto bebia era predatório e ele tinha plena consciência disso. Não se sentia desconfortável, mas o calor que residia entre eles levava Dan à beira da insanidade. Por fora, transparecia nervosismo, então, Pedro decidiu que pararia de torturar seu convidado e foi em direção à estante de discos de vinil.

"Sei que é animador de torcida, aprecia minha habilidade futebolística e é um amante da arte tradicional. Gostaria de conhecê-lo melhor. Que tipo de música escuta?" Pedro quebrou o silêncio.

"Tenho escutado apenas black e death metal recentemente." Deu de ombros, parecendo que tratava o assunto com pouca importância. Porém, música, na maior parte do tempo, era o refúgio de Daniel de sua conturbada realidade.

"É um gosto um tanto peculiar." O brasileiro sorriu e voltou a olhar para as prateleiras de discos. "Não possuo nada do gênero. Tenho alguns discos dos Beatles e do Queen, mas acredito que não seja similar à sua preferência." Colocou a mão no queixo, contemplando o que colocaria para tocar.

"Escute o que lhe agrada. Eu não me importo." Aconselhou Pedro. Daniel realmente não se importava, estava acostumado a escutar outros estilos musicais com seus amigos.

Pedro pairou pelos discos por mais algum tempo em sua posição contemplativa, cobrindo parte da visão de Dan com seus fortes e largos ombros. Seu desejo carnal pelo brasileiro o envergonhava e, para distrair-se da culpa, bebeu por inteiro a garrafa que tinha nas mãos.

Quando o rapaz se virou, Dan sentiu que o planeta aumentara a velocidade de rotação. Talvez estivesse levemente embriagado, mas tentou se convencer de que não faria mal estar alterado em plena terça-feira. Assim sendo, resolveu focar sua atenção no rapaz e esquecer que possuía o equilíbrio de um labirinto infeccionado. Logo viu que ele tinha um disco do Sepultura na mão e um sorriso satisfeito no rosto.

"Ótima escolha." Daniel esboçou um leve sorriso para mostrar à Pedro que era de seu agrado.

A bruma feita pela queima da erva que fumavam em um cômodo sem ventilação era intensa

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A bruma feita pela queima da erva que fumavam em um cômodo sem ventilação era intensa. Através da fumaça, Daniel estava fora de si e largado em uma poltrona. Em sua frente, o brasileiro segurava o baseado entre os dedos e o observava atentamente. Dan encarava Pedro de volta, apreciando cada característica de sua aparência física e pensando em como ele não se arrependia de ter fumado toda a maconha de Faraji.

"Droga, a música acabou." Concluiu Pedro e Daniel percebeu que estavam fumando há mais de uma hora já que foram capazes de ouvir o Roots completo. "Confesso que a indolência me tomou e não quero levantar para trocar o disco." Queixou-se e soltou um longo suspiro.

Dan fora incapaz de prestar atenção na última metade do álbum devido ao torpor, portanto não se importaria se o ambiente permanecesse ausente de som. No entanto, como se fosse obra do destino, esbarrou em um violão ao se mexer, que estava entre a poltrona e um vaso de planta. Tratou de pegá-lo e ajeitá-lo em seu colo, deixando o rapaz em sua frente curioso.

O objeto, que segurava com delicadeza, trazia lembranças que talvez ele não estivesse preparado para encará-las em seu atual estado psíquico. Recordou de quando era criança e seu pai o ensinara a tocar, de sua mãe dizendo que era talentoso apesar de ser claramente terrível tocando. Logo encheu-se de fúria e largou o instrumento ao pé da poltrona.

Pedro, vendo o cenho franzido e o olhar distante do garoto, pegou o violão e voltou a sentar no sofá de frente para ele. Atraiu a atenção de Daniel com um melodioso toque de jazz, trazendo calmaria para todo o recinto.

"Coisa mais bonita é você... Assim, justinho você. Eu juro eu não sei por que você." Toda o rancor que Dan guardava do pai se esvaiu ao receber as lindas ondas sonoras que formavam a cantoria de Pedro. Sua voz se assemelhava ao canto das sereias, capaz de encantar o mais insensível dos marinheiros. "Você é mais bonita que a flor. Quem dera a primavera da flor tivesse todo esse aroma de beleza que é o amor, perfumando a natureza numa forma de mulher."

Todo o universo ao redor de Dan deixou de existir e, por um segundo, havia apenas o brasileiro cantando para ele. Os versos da música, as notas suaves que a acompanhavam... Sabia que estava se apaixonando.

Infelizmente, o momento não durou. O som da porta se abrindo fez Pedro parar abruptamente e os dois viram uma mulher entrar. Ela era linda. Era alta como uma modelo, tinha cachos grossos emoldurando seu rosto de traços marcantes e pele perfeita. Assemelhava-se com a mulher da música que Pedro acabara de cantar, percepção que fazia o coração de Daniel murchar como uma flor no inverno.

"Chegou cedo." Em um minuto de distração, o brasileiro já havia se levantado e ido em direção à moça. "Daniel, esta é Pamela, minha namorada." Primeiro, Dan achou que estava muito chapado a ponto de ouvir errado, mas compreendeu perfeitamente que seus sentidos estavam intactos depois do beijo que deram diante de seus olhos.

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Itapoga (Romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora