Nota do autor: A música acima é Elizabeth Bathory - Dissection. (Existe uma playlist no spotify com todas as músicas que apresento ao longo da narrativa. Procure por 'Itapoga' ou acesse o link da minha biografia).
Conversas frenéticas, saias na altura do joelho, adolescentes civilizados. Daniel possuía um profundo ódio por essa instituição privada que reunia o pior que a sociedade podia oferecer: jovens opulentos.
Todavia, Daniel não estava em condições de sentir algo que não fosse sono. Devido as férias de verão, seu relógio biológico havia se habituado a dormir após a aurora do dia. Consequentemente, encontrava-se com uma dor de cabeça incessante, corpo dolorido e olhos pesados. Sentia-se, também, um imbecil por não desligar a música que invadia brutalmente seus ouvidos por meio de fones e causava-lhe uma piora na cefaleia.
Distraído pela indecisão interna sobre a retirada dos fones e pela história da condessa húngara que tomava banho de sangue, contada na música que ouvia, acabou por esbarrar em alguém. Apenas murmurou um pedido de desculpa rápido, não se incomodando em olhar quem era, e continuou a andar, dessa vez tentando estar mais atento ao ambiente que o cercava. Porém, só conseguiu estar desperto suficiente para raciocinar o que estava fazendo ao ir de encontro com Aaron e seus outros dois amigos.
"Estás com uma aparência horrível." Foi a primeira coisa que ouviu ao se aproximar dos garotos. A honestidade desnecessária de Faraji foi ignorada por Daniel, que fingiu não escutar por causa dos fones.
"E ficarás surdo se continuar expondo teus ouvidos a volumes elevados." Nem mesmo a carranca que Aaron apresentava arrancou alguma reação de Dan. Ele tinha conhecimento que as palavras de Aaron eram sábias, mas quis não dar ouvidos... Literalmente.
"Se é só isso que têm a dizer, vou-me já." Dan arrumou a mochila nas costas, preparando-se para partir, e foi surpreendido pela mão de Aaron envolta em seu braço, que puxava-o para longe de Henry e Faraji.
"Preciso de um favor." Foi o que disse enquanto forçava Daniel a andar pelo corredor. Ele não se espantara com a sentença proferida, inclusive já sabia qual seria a ajuda que pediria. "Poderia, por favor, recuperar a maconha de Faraji com a Anya?" Tentou convencer Daniel fazendo beicinho.
"Poderia, mas não é problema meu." Pelejou para se desvencilhar do amigo.
"Suplico para que faça. Anya e eu não possuímos o melhor relacionamento, porque eu sou o ex-namorado da melhor amiga dela." Olhou profundamente nos olhos de Daniel, tentando mais uma vez persuadi-lo. Sabia exatamente o que fazer para induzir seu melhor amigo a realizar o que queria.
"Tudo bem." Daniel forçou essa frase nominal para fora de seu corpo com muita dificuldade. "Contudo, se ela disser 'não', não insistirei." Impôs sua condição e, como resposta, recebeu um abraço de Aaron.
"Obrigado. Você é o melhor amigo que alguém poderia ter." Sussurrou ao pé do ouvido de Dan, fazendo com que o corpo do outro garoto respondesse com arrepios e taquicardia.
Temia que se abrisse a boca para dizer qualquer coisa, gaguejaria ou produziria um som vergonhoso, então Daniel preferiu continuar seu caminho até a sala em que teria a primeira aula do ano. Aaron não percebeu que Daniel estava vermelho, mortificado, graças ao cabelo longo de Dan, que sempre cobria sua face por inteiro.
És perspicaz se notaste a falta de esperteza que Daniel possui quando se trata de assuntos do coração. Porém, não se deve olhar para o objetivo ou o motivo, mas, sim, para o processo. A partir da análise e do experimento, é possível obter a resposta, que será discutida ao fim dessa narrativa. Portanto, lembre-se dos detalhes.
Ao adentrar o laboratório de biologia, Daniel deparou-se com Anya. Não era difícil achá-la, pois estava sempre a usar hijab e não haviam muitos estudantes que utilizavam essa vestimenta. Ainda que a escola em que estudavam fosse designada para estudantes internacionais, Anya ainda participava de uma minoria. Inconscientemente suspirou como forma de encorajar-se a se aproximar, sentando-se ao lado da garota logo em seguida.
"Olá." Cumprimentou-a e não recebeu resposta alguma, nem mesmo um olhar. "Estás belíssima nesta manhã. Atrevo-me, ainda, a dizer que magenta é a cor que mais destaca a sua linda pele árabe." A tática de Daniel em persuadir mulheres não impressionava Anya, o que preocupou o menino.
"Cesse esse falatório estúpido. O que queres?" Ela revirou os olhos e ele engoliu em seco, procurando as palavras certas para fazer a pergunta. O medo pela garota diante de seus olhos era maior que pelos seres sobrenaturais de filme de terror.
"Irei direto ao ponto: preciso do bagulho de volta." Falou rapidamente o aposto da oração subordinada. Por reflexo, fechou os olhos ao esperar a resposta da garota, que apenas soltou uma rápida risada de escárnio.
"Não devolverei, pois agiu de má fé. Se a polícia houvesse me revistado, eu estaria em maus lençóis religiosa e juridicamente." Bronqueou e Daniel sentiu remorso por algo que não havia realizado. Não teria feito o mesmo que Aaron, possuía escrúpulos e gostaria de contar a verdade para a muçulmana com quem conversava.
"Sentirei-me eternamente culpado pelo o que lhe fiz em um momento de desespero, porém, preciso entregar isso a Faraji, o verdadeiro dono. Para mostrar meu arrependimento, estou disposto a fazer qualquer coisa para receber vosso perdão. Então, peço-lhe que, por favor, reconsidere meu pedido." Utilizou as palavras que aprendera, quando mais novo, nas aulas de catequese, que sua mãe o obrigou a ir. Os pedidos de perdão que os fiéis da Igreja Católica faziam a Deus eram ótimos para reproduzir e ser facilmente perdoado, portanto concluiu que não foi em vão frequentar aulas em manhãs dominicais.
"Talvez seja possível." Respondeu após soltar um longo suspiro. "O diretor decretou que precisamos de pessoas do sexo masculino em nosso time. Você e seus amigos devem comparecer ao campo de futebol depois das aulas de sexta-feira." Carregava um sorriso satisfeito no rosto.
Diferentemente dela, Daniel não estava satisfeito com a proposta. Sabia que seria de natureza impossível fazer com que Henry, Faraji e Aaron se juntassem ao time de líderes de torcida da escola. Até Daniel sentia dificuldade em dizer 'sim', pois temia que seria pego na mentira sobre sua orientação sexual. Porém, tudo que saiu de sua boca em resposta à garota foi:
"Eu... Falarei com eles." A hesitação era evidente apesar de a sentença ser genuína.
O sino, que indicava o início da primeira aula, tocou e ele olhou para os lados, procurando um rosto familiar para escolher como dupla desse semestre. Não tinha vontade de manter uma parceria com Anya, pois acreditava que ciência não poderia ser o forte de alguém tão religioso.
Deu-se conta, por fim, que não conhecia uma sequer pessoa naquele laboratório além da muçulmana sentada na banqueta ao seu lado. Então suspirou longamente, prevendo de maneira pessimista que aquele ano escolar não seria seu favorito. Deveria ter previsto também que esse contato com alguém de fé diferente fosse fazer-lhe chegar ao esclarecimento.
Vote. Comente. Compartilhe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Itapoga (Romance gay)
RomansaGostaria de possuir um dom que me permitisse resumir essa obra em breves palavras, porém, não sou capaz. Seria de natureza impossível mostrar toda a profundidade psicológica do personagem principal, Daniel, nesse parágrafo; assim como é inviável dim...