Capítulo 16

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Nota do autor: A música acima é Atrás / Além - O Terno. Recomendo que escutem para captar a ambientação triste, porém, reflexiva. (Existe uma playlist no spotify com todas as músicas que apresento ao longo da narrativa. Procure por 'Itapoga' ou acesse o link da minha biografia).

O sol da manhã quase atingindo seu auge no brilhante céu acentuava a vívida cor de outono pela cidade

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O sol da manhã quase atingindo seu auge no brilhante céu acentuava a vívida cor de outono pela cidade. O vento era frenético, chacoalhava os longos galhos do bordo que Daniel viu crescer ao longo dos anos, criando uma paisagem mística de marrom, vermelho e laranja ao despencar das folhas.

Por trás de enormes janelas impermeáveis, ele aproveitava a sensação da calorosa luminosidade contra sua pele alva. Estava em seu ápice pessoal do conforto: assistia a natureza exibir graciosamente sua estação favorita enquanto bebericava chocolate quente. Não havia pressa, não havia preocupações. Seus cabelos estavam presos desajeitadamente no alto da cabeça e seu corpo era abraçado por um pijama de flanela.

"Logo me vi sozinha, rodeada de silêncio e porcelanatos tão bem encerados que pareciam espelhos." Misaki contava sobre seu romance de verão em Paris, que se dissolveu ao cruzar a fronteira para longe de seu amado. Dan escutava sem prestar muita atenção. "Louis nunca estava por perto, sempre em algum compromisso como herdeiro de um grande empreendimento. Eu não conseguia pronunciar um bonjour corretamente, então fiquei confinada entre as paredes que contavam a longa história de sua família. Ouvi tanto seu pai se vangloriar de seu ente distante, o ministro de finanças do rei Luís XIV, e Louis fingir admiração para ganhar sua confiança. Senti-me presa em um sanatório e corri para cá, o meu lugar de conforto." Sorriu para seus amigos.

"Sei que está triste, porque havia planejado cada dia para celebrar o amor e a juventude, mas preciso dizer que eu a alertei sobre Louis. Inicialmente, um lindo cavalheiro vindo de alguma novela de cavalaria; posteriormente, um CEO frio e calculista da pior ralé literária." Vincent passava a mão pelos longos cabelos da garota para confortá-la.

Hesitante, Dan tirou os olhos da janela e viu seus colegas de quarto um de cada lado de Misaki. Adèle sustentava sua cabeça no próprio ombro como forma de apoio moral silencioso enquanto Vincent falava pelos cotovelos e trançava o cabelo da moça. Sentia que era um bisbilhoteiro por ouvir a conversa, pois não eram tão íntimos assim.

"Sei que foi errado partir em segredo e transferir-me de volta para a escola daqui sem pretensão de voltar a Paris." Confessou. A princípio, havia deixado implícito se retornaria ou não, resultando em três pares de olhos surpresos olhando-a.

"Presumo, então, que este seja o último ato desta comédia trágica que performam desde ano passado." A frase de Daniel era afirmativa, mas carregava uma entonação de pergunta.

"Não." Sua resposta foi exageradamente rápida. "Considere isso como um intervalo. Quero um tempo sozinha, mas também anseio que venha ao meu encontro para pedir perdão." Falou devagar, procurando as palavras certas. "Por enquanto, fico feliz em estar aqui e rever todos os meus amigos que senti tanta falta." Sorriu de novo, mudando de assunto.

Daniel adorava Misaki, mas não sabia se a queria por perto. Antes de ser flagrado com Pedro no dia anterior, ela já havia pego seu celular com um site adulto aberto em um vídeo de relações homossexuais. De alguma forma, o universo sempre a colocava no lugar errado e na hora errada.

"Também sentimos muito sua falta." Vincent apertou a menina fortemente contra o peito. "Louis pôde deleitar a magnificência de sua companhia e nós tivemos que nos contentar com esse adolescente depressivo." Olhava para Dan a fim de provocá-lo. "Foi um ultraje ter deixado essa pobre mocinha cansada dormir no sofá ontem." Continuava com os braços em volta dela. "Pois quem dormirá neste estofado hoje será o senhor." Boquiaberto, o outro garoto foi se enchendo de fúria.

"Pare de perturbar o Daniel. Dormirei junto à Adèle, que ficou contente em abrir mão de um pequeno espaço da sua própria cama." Era impressionante o jeito que a japonesa sempre pensava à frente de todos, nunca falhava em construir planos e soluções.

Farto das frases mal-intencionadas de Vincent contra si, saiu de perto da janela e partiu para seu quarto. Não era de ficar furioso com frequência, pois era dotado de uma personalidade tranquila e amável, mas seu colega de quarto conseguia tirá-lo do sério.

Atirou-se contra os lençóis desarrumados da macia cama que havia em seu quarto e pensou em Pedro. Sorriu ao lembrar de como era cuidadoso ao carregá-lo para fora da festa e garantir que chegasse em casa em segurança. Seu coração bateu mais forte ao recordar o momento em que estavam no carro, seus rostos a milímetros de um iminente beijo. O sorriso alargava assim que a memória passava por cada instante que esteve com ele, a felicidade do protagonista era sustentada pela promessa velada de que seu relacionamento com Pamela estava prestes a acabar.

Pensativo, Dan mordeu o piercing do lábio. Queria vê-lo novamente, sentir o inconfundível cheiro de sândalo e mar, ouvir sua linda voz que fazia qualquer frase parecer a canção de amor mais romântica. Ponderou a possiblidade de chamá-lo para sair e, antes que pudesse desistir da ideia, abriu o direct do Instagram.

Daniel: Obrigado por ter trazido meu corpo embriagado de volta.

Ass: a consciência envergonhada de Daniel Hunsrücker.

Seus dedos tremiam ao rescrever a mensagem algumas vezes, decidindo por fim um sutil alívio cômico. A adrenalina de seu surto de coragem o deixava cheio de aflição, a ansiedade corroendo seu estômago. Felizmente, Pedro não demorou para responder.

Pedro: Não há de quê.

Daniel: Gostaria de retribuir o seu gentil ato. Estaria livre para sair comigo hoje?

Pedro: Não.

Daniel fitou a tela do celular por alguns segundos na esperança de que ele fosse complementar com alguma explicação, mas não recebeu nada.

Estava arrasado. Sentiu um nó na garganta e, pouco depois, lágrimas quentes percorreram seu rosto. Não chorava por ter sido rejeitado, mas por se sentir tolo e ingênuo.

Iludiu-se pelas doces falas do brasileiro, seus olhares, seus gestos, suas insinuações. O modo como o estrangeiro sempre o tratava como único e especial deu confiança suficiente para o menino sentir que podia ser amado, sentir que não havia problema nenhum em gostar de alguém do mesmo gênero.

Tinha plena ciência de que não deveria ter criado expectativas e alimentado o amor que sentia por ele, mas não conseguiu se conter quando faltou tão pouco para beijá-lo. Também sabia que ele flertava com qualquer ser animado e, por isso, quebraria seu coração em pedaços.

Repentinamente, a tristeza se esvaiu e deu lugar a cólera. Estava irado, porque ele tinha noção de seus sentimentos e, mesmo assim, encheu-o de promessas vazias.

"Ó, Deus, por que fui me apaixonar pelo ser mais concupiscente e desprezível deste e de outros universos?!" Pensou alto, as mãos cobrindo o rosto.

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Itapoga (Romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora