Capítulo 12

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Meus ombros estavam doloridos de tanto escrever.

Eu anotava o que julgava ser somente o essencial, fazendo resumos dos conteúdos dos livros que Bobby havia me dado. Anotei os nomes de todos e seus autores, para referências futuras, caso fosse necessário. Aquele foi um dia em que estive mais tempo com Sam, pois Dean e Bobby haviam saído no começo da tarde para fazer alguma outra coisa que eu não prestei atenção.

– Então, sal, água benta, exorcismo em latim... – arqueei uma sobrancelha para Sam.

– E uma Armadilha pro Diabo – ele completou, e eu rapidamente escrevi no diário que estava fazendo. – Isso é o básico do básico de uma sessão de exorcismo, mas sem isso, a coisa não anda mesmo. Você precisa treinar o exorcismo em latim, treinar mesmo, porque a pronúncia é bem esquisita e você pode se enrolar. Quanto mais treinar a leitura em voz alta, mais rápido vai memorizar. Conseguindo isso, nem vai precisar de uma bíblia na hora – ele sorriu.

– O essencial do exorcismo são aquelas partes que seu pai anotou no diário dele?

– Sim. Vai precisar treinar o desenho dos símbolos da Armadilha, também.

– Que tipo de material vocês usam para os desenhos?

– Giz, tinta em spray... – ele deu de ombros. – Ou qualquer coisa que esteja ao alcance, mas, de preferência, deve ser um material que não se desfaça facilmente. O círculo dentro do exorcismo deve ser perfeitamente fechado, nada torto, ou isso pode nos dar problemas.

– Certo... – murmurei enquanto terminava de anotar o que ele havia dito. – Mas então, é preciso ser um devoto de fé inabalável pra conseguir expulsar um demônio do corpo de alguém?

– Não – Sam riu surpreso com a pergunta. – Basta entender os processos no exorcismo e fazer direito – deu de ombros e se levantou. – Quer uma cerveja?

Eu, sentada no chão em frente ao sofá de Bobby, franzi o cenho.

– Eu não bebo.

– Nunca bebeu?

– Não – ri sem graça. – Nem tenho a inclinação. O cheiro de cerveja é enjoativo.

– É, eu também pensava isso... – ele disse enquanto abria a porta da geladeira, tirando de lá uma garrafa de cerveja. – Até pegar o gosto pela coisa.

– Não é a minha praia – fiz uma careta. – Então, como vai ser agora?

– Como vai ser o que? – ele perguntou enquanto voltava para o sofá, sentando-se ao meu lado.

– Vamos ficar aqui? Vamos dormir na casa do Bobby ou só viremos durante o dia?

– Não sei dizer ainda – ele suspirou e bebericou a cerveja. – Bobby não é muito chegado em visitas, mas duvido que ele deixe você ficar sozinha em um hotel.

– Como assim sozinha? – franzi o cenho.

– Bem, se aparecer um caso, a gente vai ter que cair na estrada – encolheu os ombros, parecia envergonhado. – E aqueles dois ainda estão na sua cola, então... Talvez o melhor lugar para você ficar por um tempo seja aqui com o Bobby, mas precisamos conversar sobre isso ainda.

– Então, fora o Bobby, vocês não têm...? – o fitei.

– Casa própria? – riu de nervoso. – Não, não temos. Olha, se quiser mudar de ideia, ainda dá tempo.

– Será que vocês poderiam parar com isso? – me irritei, fechando o diário e me levantando do chão. – Eu não estaria aqui se não tivesse certeza.

– É, tem razão, me desculpe – fez uma careta, desviando o olhar. – De qualquer forma, não, não temos casa própria. A gente dorme no carro quando não dormimos em motéis de beira de estrada.

– É, imaginei isso – mordi o lábio.

– Sam! Bella! – ouvimos Dean nos chamar. – Tirem o nariz dos livros, venham aqui!

Confusos, largamos tudo e fomos atrás dele para entender a comoção. Saindo pela porta dos fundos, percebemos que Dean e Bobby haviam voltado, e carregavam sacolas.

– Tem mais compras dentro do carro – Bobby indicou seu carro. – Tragam tudo para a cozinha.

Nos entreolhamos por um momento e então ajudamos os dois a descarregarem o carro. Sacolas e caixas diversas foram levadas para a cozinha, e segundo Bobby, era seu reabastecimento de ingredientes diversos para feitiços e afins, e algumas sacolas eram seu reabastecimento de comida para a casa.

– Já que os três idiotas vão ficar aqui por um tempo, o mínimo que posso fazer é comprar mais mantimentos. Não dá pra sobreviver de cerveja – ele comentou enquanto entreolhava os irmãos, no que Dean deu um sorrisinho amarelo.

– Se tivessem me avisado, eu teria emprestado meu cartão – comentei enquanto o ajudava a guardar algumas coisas nos armários. – Preciso contribuir com alguma coisa.

– Não se preocupe, você vai – ele riu um pouco, no que Dean e Sam arquearam as sobrancelhas. – Os três vão. Eu não recebo gente em casa, então vão precisar faxinar um pouco se quiserem dormir aqui.

– A gente vai dormir aqui? – me virei para Dean.

– Vamos? – Dean olhou para Sam.

– É, vamos – Sam deu de ombros.

– Então vamos – Dean sorriu, continuando a guardar as compras.

– Depois que guardarem as coisas, podem começar faxinando os três quartos que estão sobrando lá em cima e o banheiro.

– Sim, senhor – respondi, já imaginando o tanto de faxina que precisaríamos fazer.

Eu sinceramente achava que ele não iria gostar da ideia de eu frequentar sua casa, mas perceber que ele queria a nós três por perto me confortava. Ele de fato estava aceitando minha decisão e oferecendo um teto a uma completa estranha.

Caçadores têm formas curiosas de mostrar que se importam, eu acho. Dean me ofereceu um facão, Sam ofereceu seu conhecimento e Bobby ofereceu seu teto.

É, fazer amigos até não estava sendo ruim.

Deixar os quartos extras habitáveis demorou um bom tempo para nós e eu tive que ensinar os dois a dosar os materiais de limpeza da forma certa, ou acabariam com os desinfetantes do Bobby em dois segundos. Organizamos os quartos com colchonetes e cobertores que Bobby tinha de reserva.

Acabamos limpando e organizando a cozinha dele também, que parecia pedir socorro de forma silenciosa. Uma varrida no chão da biblioteca, também, para variar, e as janelas abertas por algum tempo para deixar o ar entrar. Encerramos a noite jogando conversa fora sobre alguns casos que eles haviam resolvido, envolvendo demônios.

O que mais me deixava confusa era o fato de três homens aparentemente sem fé definida estarem tão seguros de seus trabalhos. Talvez a coisa em si não fosse de fato uma questão de fé e sim de um trabalho bem feito e eu me perguntei se seria capaz de fazer o mesmo. Até aquele momento, eu nunca havia refletido sobre fé porque nunca tive nenhuma prova da existência de demônios ou anjos, ou de milagres e santos, ou Deus. Tinha fé nas pessoas, apenas, porque sabia do que seres humanos eram capazes, ao menos em parte.

Quando me deitei para dormir naquela noite, só conseguia pensar se havia um paraíso, um lugar para onde Charlie e Renée pudessem ir. Se existia, esperava que estivessem lá e que estivessem bem.

Esperava que, se Deus existisse mesmo, cuidasse deles por mim.

WaywardOnde histórias criam vida. Descubra agora