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Lorenzo

Já faz sete semanas e três dias desde aquele evento; a última vez que a vi.

O crânioencefálico em Antonella está sendo cuidado mas, não há nenhuma previsão de quando ela poderá acordar.

Pode até não parecer tempo suficiente mas, desde a noite em que eu ousei tocar nela ainda não aproximei-me intimamente de nenhuma mulher.

Suppongo che Antonio avesse ragione... sono innamorato di lei! [Acho que Antonio estava certo...eu estou amarrado nela!]

A propósisto, Antonio também tem agido distante, desde aquela "confusão"; dito poucas palavras, não mais do que o suficiente; declinado a ideia de visitar-me na minha sala a cada duas horas...

A última coisa que ele disse-me relacionado àquela noite e a meia-conversa com Amara foi:

"Eu não vou mais à clubes, sejam esquecidos os contactinhos, talvez eu vá arrendar aquele apartamento. No more plays. No more cheesy scenes. I'll make it right this time. Either with her or not! [Sem jogadas. Sem cenas clichês. Eu vou fazer certo, desta vez. Seja com ela ou não!]

Sim, ele disse isso.

Parece que ambas tem o poder de controlar os neurónios das nossas cabeças. A de cima e a de baixo.

Dispensei a copeira. Mulher irritante e racista -- que ironia, tive a impressão de ver o pai dela um dia na empresa e era negro, de pele clara -- Pena que só fui descobrir isso depois, quando ela recusou-se a servir um café com leite para um de nossos melhores analistas de vendas, Isaach Ali, por ser negro. Na verdade, não pelo facto de ele ser negro pois ela já serviu a outros negros mas, pelo facto de ser mais "retinto".

E mais acusações de supostas humilhações perante a forma física; raça; religião; cultura foram feitas a seu respeito. Por isso, a demiti.

"Não é justo que uma pessoa branca e de olhos claros como eu seja uma simples copeira enquanto, bando de macacos assumem posicões de advogados, analistas e até assistentes pessoais! Eles deveriam estar numa jau-"

"Tenha cui-"

"Lava a sua boca!! Desculpe-me senhor Lorenzo mas eu tenho de falar. Eu tenho acompanhado as porcarias que essa mulher tem falado e feito, guardado para mim mesma temendo pelo meu emprego e pela vida de meus filhos mas, hoje eu digo BASTA! Você não ofenda a história e sofrimento do meu povo. Todo mundo que está aqui está por mérito. Nós estamos no mesmo barco. Ambas funcionárias. Tirando isso, o quê me faz diferente de você? Se você ou eu nos cortarmos, vamos sangrar, se alguém te atirar, você vai morrer do mesmo jeito que eu, da mesma forma que os seus pais transaram, literalmente, foi a mesma que os meus. Você lave sua boca para falar de tudo que a comunidade negra passou, lave, mas lave bem! Isso, olha-me como se eu fosse uma selvagem mesmo! Eu estou a pouco de perder minha paciência...Não se esqueça que eu estou 'fora da jaula'."

"Melhor impossível, senhora Caputo. E você, fora. Denunciem o quanto quiserem contra esta mulher, e se por acaso houver algum 'equívoco', a minha secretária acompanhará tudo. Entendido?"

"Não, por favor, me desculpe. Loren- senhor Lorenzo,u-eu prometo nunca mais falar das caracterizações de ninguém."

"Não é a mim que deveria pedir desculpa, além do mais, as desculpas nesse ponto, são irrelevantes."

{Eu escrevi essa parte porque senti-me tocada com uma narrativa do meu livro de Português, cujo tema é "O Chibalo" e representa o tempo de escravidão aqui, em Moçambique}

A Que Me Deixou De QuatroOnde histórias criam vida. Descubra agora