-11- DESCANSE EM PAZ, QUERIDA J.

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Quando eu tinha doze anos encontrei o termo "estresse pós-traumático" pela primeira vez, enquanto lia em uma revista uma matéria sobre um ex combatente de guerra que havia desenvolvido o transtorno quando voltou para casa. Sua esposava afirmava que ele ficou três meses sem dizer uma única palavra, apenas olhando para o nada, como se fosse um corpo vazio e sem alma sentado no sofá da sala de estar, parecendo não existir na realidade em que estava inserido, apenas naquela criada em sua mente através dos seus traumas.

Nunca imaginei que alguns anos depois eu estaria passando pela mesma situação, mas ao invés de lidar com bombas, eu fui obrigado a lidar com um funeral noturno em uma floresta úmida e silenciosa. Havia se passado um mês desde que a doce e simpática Jenny fora arremessada nas profundezas de uma floresta escura no mesmo lugar em que Sebastian tinha me levado para passar aquela tarde, horas antes de ele usar sua arma para aniquilar a vida de uma inocente. E minutos depois dele me arrastar pelo braço escadaria acima para que nos limpássemos, enquanto eu gritava e me debatia tomado pelo pânico.

É realmente incrível como sempre achamos que podemos ser super-heróis, como quando assistimos a um filme de terror e pensamos no quanto o protagonista é estupido por não ter feito tal coisa que poderia ter o salvado, mas a verdade é que quando nos deparamos com uma situação calamitosa nem sempre conseguimos pensar com clareza ou com a mente de um herói. Se eu estivesse me assistindo em minha TV, junto ao meu irmão, provavelmente teria apontando dezenas de maneiras de sair da situação em que eu me encontrava, e ainda maneiras de matar Sebastian. Mas na vida real, e eu sendo a pessoa na situação, eu só conseguia me desesperar. Nada mais que isso.

Sebastian retirou minha roupa suja de sangue, sem qualquer cautela ou cuidado como provavelmente faria antes, parecia que iria rasga-las com as mãos a qualquer momento, depois que me despiu tirou as dele também e me puxou para o chuveiro, onde tomamos banho, o sangue se misturando com a água e deixando o chão do box avermelhado. Quando terminamos ele me arrastou novamente, com grosseria, para fora e me secou.

– Para de chorar. Já chega! Estou me cansando desse seu escândalo. – Me balançou com força segurando meus braços, fazendo eles doerem. "Engoli" o choro. – Nós teremos que lidar com isso juntos agora, então se controle.

Me levou para o quarto, onde ele nos vestiu, colocando luvas de couro em suas duas mãos, e em seguido fazendo com que eu me sentasse para que colocasse botas pretas nos meus pés, então notei que iriamos sair, e sabia exatamente o porquê. Tínhamos um corpo naquela casa, e Sebastian não permitiria que ele morasse ali. Isso significava que eu teria que ajudá-lo no processo de se desfazer dele, dessa forma, além de ter que presenciar um assassinato, também teria que participar do processo de omissão de cadáver. Sebastian jogou um par de luvas para mim também.

– Digitais. – Pensei comigo mesmo.

Quando descemos eu apenas o observava, sentindo as lagrimas ainda caírem pelo meu rosto, enquanto ele segurava aquele corpo pálido e o colocava sobre um enorme plástico preto que havia pego no armazém que havia atrás da casa, onde o antigo dono guardava seus enlatados. Sebastian não se preocupava mais nas chances de eu tentar fugir, me deixando sozinho, mesmo quando saiu para pegar o material necessário para envolver o corpo de Jenny. Ele sabia que a partir daquele momento me tinha em suas mãos.

Poderia pensar novamente naquele personagem idiota de filme de terror, e eu do outro lado da tela explicando o que ele poderia estar fazendo para se salvar, mas a verdade é que eu não tinha vontade de fazer absolutamente nada naquele momento. O medo de errar mais uma vez e fazer com que outra pessoa fosse morta era profundamente amedrontador; olhava para o corpo de Jenny sobre o plástico preto e me perguntava se por um acaso fosse meu irmão ali, ou minha mãe, ou qualquer um dos meus amigos, o quanto eu ficaria ainda mais perturbado e quebrado por dentro. Aquela seria uma nova fase na qual eu faria apenas o que Sebastian quisesse, sem contradize-lo, sem comentários irônicos, sem tentativas de fuga, sem pensar em liberdade, sem falar, sem fazer qualquer coisa que pudesse desagrada-lo. Eu seria perfeitamente submisso a ele. Pois eu preferia isso a ter que ver mais alguém sangrando em minha frente.

BABY, ME CHAME DE MESTREOnde histórias criam vida. Descubra agora