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Capítulo 2

Christopher Vélez

Os meus dias eram um pouco caóticos sempre, mas ao mesmo tempo monótonos. Nada muito diferente. Era sempre acordar cedo, ir ao XO — café onde trabalho — para abri-lo e trabalhar por no mínimo umas dez horas, sair do café e ir para a aula de ukulelê que eu dava duas vezes na semana para Tom, uma criança que me viu tocar uma vez na praia. Algumas vezes Ana passava para me buscar quando eu largava e nós íamos a sua casa, assistir mais um episódio de Gossip Girl, que obviamente Ana me obrigava a assistir, diga-se de passagem. Logo voltava para casa, algumas vezes sequer via minha mãe antes de dormir, mas sempre que acordava no dia seguinte lembrava que era por ela que eu batalhava. Ela é minha razão.

Mas, depois de tantos anos vivendo desse mesmo jeito, sem nada de diferente acontecendo na minha vida e nem ao meu redor — falo do meu prédio e dos meus vizinhos — eu vi um novo rosto, que habitaria no apartamento do lado. Pouco depois descobri que o novo rosto tinha por nome Giulia Moraes e uma cara de criança que apronta.

Na primeira vez, ela chegou acompanhada por um casal. Que pela idade e cuidado que demonstraram ter por ela, imagino que sejam seus pais. Ouvi quando eles passaram pelo corredor parecendo muito felizes por terem achado o que eles chamaram de "lugar perfeito para Giu" — frase que me fez entender que o idioma que eles estavam falando era Português. Logo, a família é brasileira — e depois desses minutos, só voltei a ver Giulia depois de algumas semanas, dessa vez sozinha e se equilibrando para não cair com a bagagem.

É... Eu já te conhecia, Giu.

Eu já a conhecia, desde aqueles momentos em que eu fiquei invisível no corredor. Mas, deixei que ela pensasse que apenas me chamou atenção uma morena de pouco mais de meio metro, atrapalhada com inúmeras malas que tinham a metade de sua altura e o dobro de seu peso. E foi exatamente por essa razão que ela me convidou para jantar em sua casa no dia em que quebramos o gelo. Aceitei sem pensar muito e, na verdade, seria bom sair um pouco da rotina, ainda que fosse o meio da semana.

Bati na porta ao lado por volta das oito, um pouco apreensivo — coisa que até agora não entendi o porquê — e carregando um dos vinhos da coleção particular da minha mãe. Sem intenção alguma, claro! Faz parte do manual de boa vizinhança dos Vélez presentear o novo vizinho, como forma de dar as boas vindas. Nesse caso eu estava fazendo um pouco diferente, já que foi a nova vizinha quem resolveu promover o jantar, mas ainda assim eu lhe presentearia. Mesmo sem saber se ela aprecia vinhos.

— Pelo visto o trânsito não estava tão mau assim. — Giulia disse sorrindo, assim que me abriu a porta.

— Você sabe como as coisas mudam rápido no trânsito dessa cidade... Hora congestionado e hora vazio! — entro em seu jogo e ela me dá a passagem, saindo da frente da porta. — Trouxe um presente! — ergo a sacola estreita que carregava nas mãos, recebendo um olhar confuso de Giulia. Entrego-lhe o presente e espero ansioso por sua reação ao abrir. A morena desembrulhou rápido — quase tão ansiosa quanto eu — e assim que pegou a garrafa esboçou uma das reações mais engraçadas que eu já vi na vida. Um misto de surpresa e espanto. Só que... Diferente. Parecia algo único.

— Christopher, não precisava disso! É um vinho caro!

— Não se preocupe com isso. Faz parte do comitê de boas vindas. E é um presente em nome da minha família. — Pisco para ela que sorri, ainda incrédula.

— Sendo assim, muito obrigada! Vou guardá-lo para tomarmos juntos algum dia. — ela guardou a garrafa na geladeira e voltou da cozinha com duas cervejas na mão. — Vinho não é a minha proposta para o jantar de hoje, espero que entenda. — a morena se explica enquanto me estende uma latinha. Eu abro e nós brindamos antes de beber um pouco. Enquanto me dava pistas sobre o que havia feito para o jantar, nós terminamos as latinhas e então ela decidiu servir a comida misteriosa. — É uma iguaria e o fato de eu saber fazê-la é ainda mais incrível, porque fica ainda melhor que os que se compra por aí. Garanto. — Giulia se aproxima da mesa com uma barca de sushi. E logo em seguida, mais uma. De diferentes tipos e sabores.

— Duvido que você tenha sido a responsável por fazer tudo isso. — desafio-a porque agora o incrédulo sou eu.

— Nunca duvide dos meus dotes culinários, Vélez. — ela se serve e eu também — Até porque, pensei na possibilidade de você duvidar e vou te apresentar provas de que eu fiz tudo isso que você vai provar agora. — ela tira do bolso o celular e dá play em um vídeo.

"Boa noite, Mr. Christopher Vélez. Se você está vendo isso, provavelmente duvidou de que eu sou capaz de produzir todo esse sushi na sua frente."

O vídeo era uma espécie de vlog e Giulia conversava comigo no vídeo como se eu estivesse assistindo ao vivo. Nós estávamos assistindo enquanto comíamos e realmente era o melhor sushi que eu já havia comido. E ela realmente havia feito tudo com muita delicadeza e maestria. Eu teria que pagar a língua agora.

— Muito bem, senhorita. Eu sinto muito por ter duvidado de você. Meus parabéns! Estava tudo muito bom. — digo assim que terminamos a refeição.

— Muito obrigada por reconhecer o óbvio! — era incrível como eu e Giulia nos entendíamos no quesito humor. Sempre dávamos risadas das mesmas coisas, e um sempre entendia a piada do outro. — Mas, ter duvidado de mim foi uma falta muito grave, Mr. Vélez. Sendo assim, você terá uma penalidade. — A morena estava séria e suas palavras eram expressas de uma maneira muito incisiva. Confesso que me assustei por um momento. Ela buscou mais cerveja e se sentou no tapete da sala, me convidando a fazer o mesmo. — Isso será um bate-volta. Ou seja, eu pergunto algo curto ou um tópico e você responde rápido o que vier na sua cabeça com o mínimo de palavras possível.

— Preciso de uma rodada teste. Não quero perder por não saber jogar! — Giulia gargalha alto, mas logo retoma sua expressão neutra outra vez.

— Certo. Rodada testa, então! — ela bebe um gole — Felicidade?

— Família. — respondo quase que no susto, tentando ser o mais rápido possível.

— Ótimo, você já aprendeu. Next! — foi a minha vez de tomar um gole, me preparando para as próximas rodadas — Sonho?

— Cantar.

Me parecia um jogo bastante saudável e tranquilo. Era basicamente jogar com sinônimos. Os meus sinônimos. Ela perguntava algo e eu tinha que dizer o que aquilo significava para mim.

— Idade? — era algo abrangente demais, mas rapidamente veio a minha idade na cabeça, e foi o que eu respondi.

— Dezenove.

— Paixão?

— Skate.

— Estado Civil? — essa pergunta não parecia um tópico e sim uma curiosidade pessoal da intérprete. Não que fosse um problema responder, mas dessa vez alguém estava se precipitando, e vez não era eu.

Best Part • Christopher VélezOnde histórias criam vida. Descubra agora