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Capítulo 6

Giulia Moraes

Ser amiga do vizinho te ajuda a entender seus horários e rotina, o que faz com que você consiga fugir dele com facilidade — e com alguns atrasos para a aula —. Muitas vezes você consegue ouvi-lo chegar e abrir a porta justo no seu horário de ir a academia — porque você acabou de se matricular em uma —, e então você espera tempo o suficiente para que vocês não se cruzem pelos corredores. Você também pode ignorar as mensagens dele e fingir-se de surdo quando ele te liga por, no mínimo, três vezes seguidas. Só que isso não muda o fato de que ele continua sendo SEU VIZINHO!!!

E jogar esconde-esconde com ele não muda isso. Inclusive a minha brincadeira terminou cedo. Não mais do que setenta e duas horas. E se antes eu já me declarava vencedora por nunca ser pega, digo com pesar que eu consegui perder feio. E eu precisei provar isso da pior maneira.

Logo depois que as meninas foram embora no sábado, eu decidi ficar em casa. Até porque eu também estava de ressaca. Ressaca moral da noite anterior. Passei o resto do meu fim de semana me dividindo entre revisar mais algo da prova e organizar os meus horários para não cruzar com Christopher, tendo um novo compromisso que é ir à academia. A do prédio. E nos primeiros dois dias eu me saí bem, e em termos de jogo, que foi como eu chamei isso, eu estava ganhando por dois a zero em partidas. Era um atraso ali, ou uma subida pelas escadas de emergência, ignorando chamadas e mensagens... Tudo para não ter que cruzar com o meu vizinho e não ter que ouvir todo o discurso pronto que ele tem e também ter que falar a minha perspectiva sobre o ocorrido.

Eu, definitivamente, estava fazendo de tudo para adiar isso o tanto que eu conseguisse. Mas, eu mesma fui o doping que prejudicou minha atuação na competição. Já na quarta-feira, saí da última aula do dia por volta das cinco da tarde e então eu convidei Duda e Tali para comemorar o resultado da prova que tínhamos feito na segunda, porque nós tiramos notas excelentes e merecíamos ao menos um brinde. E eu não sei se foi o fato de eu ter sido a única a ficar sóbria no Mynt somado a toda àquela situação ou se foi realmente o orgulho pelo meu desempenho, mas eu fiz vários brindes. Zerei algumas garrafas de cerveja e me lembro de estar ainda mais feliz quando as minhas amigas me colocaram dentro do elevador.

Falta grave de atenção, cartão amarelo para a jogadora Giu!

Eu conseguia ir sozinha até o meu apartamento. Era óbvio que conseguia. Só que sem obstáculos. E quando eu fui caminhando devagar pelo corredor procurando a chave da porta no meu chaveiro acabei topando com um obstáculo. E assim que eu me dei conta que o obstáculo tinha pouco mais de um e setenta de altura, olhos grandes — que agora parecem mais castanhos escuros do que cor-de-mel — cabelos lisos, morenos, jogados delicadamente pelo rosto e apertados à cabeça por causa do boné que também era característica dele, eu sabia que tinha perdido o jogo. Traguei seco o resto de saliva que eu tinha na boca e fiquei paralisada um instante enquanto analisava a situação com calma.

VOCÊ NÃO TEM TEMPO PRA ISSO, GIU! CORRE!!

— Você está bem? — Christopher perguntou ainda segurando meu braço.

O que você acha, Chris? Eu pareço bem?

— Sim! Tudo bem, tudo ótimo, tuuuudo ma-ra-vi-lho-so! — sorri fraco e o meu vizinho arqueou a sobrancelha depois de me soltar. Lá vem mais pergunta!

— Tem certeza? Porque você não parece bem... — Eu sabia que se ele me desse mais brecha eu ia acabar falando coisas que depois eu me arrependeria muito, e ele não estava colaborando para um diálogo curto.

ATENÇÃO JOGADORA GIULIA!!!!

— Olha aqui, Christopher. — me aproximei com uma expressão brava e de poucos amigos — Você .... Não vai fazer eu me sentir culpada de novo com essa sua historinha, ok? Eu já fiquei muito, muito, muuuuito mal por ter pensado em algo a mais com você naquele jantar. E eu NÃO sou destruidora de lares! Eu não me culpo mais por ter te achado atraente e interessante e lindo e uma cópia fiel do Bieber porque eu nem sabia da existência da louca da sua namorada! — falo sem muito controle das minhas emoções. — E você não vai trazer isso de volta, me ouviu bem? — deixo um soco leve em seu braço e tento desviar dele sem cair ou tropeçar ou ficar tonta ou vomitar.

GAME OVER!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

— Você... Bebeu? — perguntou assustado enquanto me assistia caminhar.

— O que você acha? — comecei a rir da cara de Christopher e a expressão dele parecia ainda mais assustada.

Um pateta!

Ignorei o meu vizinho e, finalmente, entrei no meu apartamento. Não era tarde, pelo contrário, ainda eram nove da noite. E eu já estava tomando banho para dormir, torcendo para não amanhecer com uma ressaca forte, e ao menos isso havia funcionado. Tomando bastante água e dormindo mais de oito horas, eu consegui não acordar tão derrotada. Ao menos nesse contexto, porque quando eu disse ontem que havia perdido o jogo, não significava que ele tinha acabado. Era somente que EU não tinha mais chances de vencer, e isso porque assim que abri a porta para ir para a aula por volta das sete da manhã, encontrei com o meu vizinho/obstáculo/oponente. E eu já tinha esperado passar a hora que ele sempre sai, meus horários estavam bem organizados quanto a isso e eu realmente estava seguindo a risca. Onde eu poderia ter me equivocado para que isso acontecesse?

Oh, meu Deus eu não preciso de mais essa provação!

— Bom dia, Giu. Eu acho que a gente precisa conversar. — ele disse levantando-se do chão. Olhei a cena um pouco confusa, mas, tratei de buscar uma maneira de fugir, pelo menos mais um pouquinho, dessa nossa situação.

— Chris, eu estou atrasada, preciso ir! — minto logo depois de responder ao "bom dia" com um sorriso fraco. Tento passar, mas o moreno se colocou na minha frente fechando a passagem.

— Ótimo, somos dois atrasados então. — disse rapidamente. — Eu estava aqui sentado há meia hora esperando você sair. Até porque às quintas nós costumávamos tomar café da manhã juntos no XO. — LÓGICO!!! Era aqui que eu tinha errado! Eu não lembrava que aquele meu discurso sobre vizinhança também poderia ser usado CONTRA mim. Porque Christopher também sabia meus horários e minha rotina. Ele, claramente, sabia que esses dias todos eu estava evitando-o. Eu sou realmente uma tonta que não me lembrei desse detalhe.

— Olha, eu sei que você quer se explicar e toda essa burocracia social, mas eu não acho que isso precise ser agora enquanto eu me atraso para a aula. — eu segui com a minha mentira e confesso que até eu estava acreditando que estava atrasada só pela minha atuação.

— Giulia, eu deixei você me evitar esses dias todos. — meu crime foi exposto na minha cara. Minha derrota foi oficialmente comunicada. Ele sabia esse tempo inteiro que eu não queria vê-lo ou falar com ele. E ele me deixou acreditar que eu estava no controle da situação, como se, naturalmente, não estivéssemos nos encontrando mais. — Eu acho que já te dei espaço suficiente. Agora a gente precisa falar sobre o que aconteceu. — ele me olhou nos olhos enquanto falava e eu engoli a seco. — Eu estou sentindo falta da minha amiga. Por favor, conversa comigo.

Uma das minhas características é não suportar ver alguém suplicando por algo que eu posso fazer por esse alguém. E eu cedo em qualquer circunstancia. Como agora.

Você venceu, Chris. Você sabe que venceu.

Best Part • Christopher VélezOnde histórias criam vida. Descubra agora