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Capítulo 31

Giulia Moraes

— É claro que sim — falou me guiando até o outro lado da rua, ao tal bar onde ele estava. Me sentei na cadeira em sua frente e enquanto ele desmontava seu escritório improvisado, pediu duas águas e então eu aproveitei para sanar algumas das minhas dúvidas.

— Você também veio pra cá para estudar? Porque você é brasileiro, certo?

— Sou. Mas, não. Não vim estudar. Eu moro aqui desde criança. Sou filho de mãe brasileira e pai estadunidense. Eles se conheceram no carnaval do Brasil, começaram a namorar e me geraram. Quando eu nasci minha mãe insistiu para que tentassem uma vida lá, porque não queria ficar longe da família, só que a situação não estava boa, meu pai sabia que aqui ele teria um emprego melhor e então aos meus nove anos nós viemos para cá — explicou.

— Que incrível! E sua mãe nunca deixou de falar português com você, eu imagino, porque senão, hoje você nem saberia tanto.

— Sim — sorriu — Também porque seria impossível deixar de falar português com meus tios e primos que vem sempre nos visitar. E nós também, quase todos os anos vamos ao Brasil — Chegaram as nossas águas e eu comecei a tomar. Foi à vez de Bernardo começar suas perguntas — Mas, nós não estamos aqui para falar só de mim. Se você se sentir confortável, pode falar o motivo de tanta angústia nesse olhar.

Respirei fundo. Seria bom ter uma opinião masculina sobre isso, e também dividir essa nova sensação adquirida depois do que me disse Yenny.

— O dono dessa camiseta vai embora hoje à noite — falei sentindo meus olhos arderem, já cheios de lágrimas.

Eita — soltou quase como um sussurro, e uma expressão apenada — E pelo visto, você ainda ama bastante esse rapaz, não é?

Eu assenti. Respirei fundo, engoli o choro, limpei a garganta e só então voltei a falar.

— Encontrei hoje com a mãe dele, depois de uma semana, quando eu achava que já estava melhor e poderia seguir sem tanto choro, e ela me disse que ele viaja hoje — senti a lágrima que eu estava segurando sair forçada, e eu a enxuguei rapidamente, sentindo sobre mim o olhar preocupado do brasileiro — É repetitivo, mas eu não sei... Agora parece realmente que não tem mais volta. Um sentimento horrível de que algo está escapando das suas mãos e você não consegue evitar me tomou.

Bernardo pigarreia, limpando a voz, mas mantém seu olhar sobre mim.

— Olha... Eu conheço a história de vocês. Ao menos o básico. E pelo jeito como você fala, pelo seu olhar, é perceptível quanto ama ele. Talvez não seja o momento de vocês ficarem juntos, e por isso você não precisa fechar essa porta desse jeito. Não precisa ficar assim — pausou para tomar mais de sua água e eu o acompanhei — O amor da sua vida está indo embora hoje à noite e o que você vai fazer? Deixar que ele vá sem nem dar "tchau"? Pra mim, o fato de você ter colocado esta camisa, ao me parecer, sem saber, e estar com essa angústia por saber que ele vai embora, provavelmente, louca para se despedir, são as provas de que você precisa fazer isso.

, e o que você propõe? — perguntei curiosa e com o coração acelerado.

— Que você vá até a casa dele, devolver essa camiseta. Exatamente como ela está agora, com seu cheiro. Para que ele guarde e nunca se esqueça de você nesse lugar novo. E quem sabe, quando ele voltar vocês não conversam e se resolvem? — propôs e eu comecei a pensar — Você não precisa falar muito, pode usar a desculpa de que ele esqueceu com você e você só está indo devolver. Mas, se dissesse pelo menos "boa viagem, sucesso" já seria bem mais que o esperado.

Bernardo estava certo. O amor da minha vida está indo embora. Eu não posso ficar de braços cruzados. E na falta de ideia melhor, e na intenção de devolvê-lo o presente que eu mesma havia dado, resolvi aceitar o que me propôs o brasileiro.

— Você está certo. Eu não posso deixar que ele vá assim sem mais e nem menos! — exclamei.

— É exatamente assim que se fala, Giulinha — falou tocando meu ombro — E então? O que você está esperando para ir atrás dele? Já vai anoitecer! — eu sorri com sua pressa e ao mesmo tempo seu entusiasmo em me ajudar, isso me estimulou a realmente não deixar que tudo terminasse dessa maneira com Chris.

— Bem, obrigada pela conversa, pelos conselhos e pela água... Eu preciso ir — disse levantando-me contagiada de sua pressa.

— Não se preocupe — levantou-se em seguida — Inclusive, você não quer uma carona? Assim você não perde tempo caminhando.

— Em outros momentos eu diria que não porque isso é abusar demais de alguém que acabo de conhecer, mas eu realmente preciso.

— Então aceite — ele falou enquanto pagava a conta — Venha, vamos.

Sem pedir permissão, Bernardo tomou a minha mão e me guiou até seu carro — que eu notei ser grande e ter uma prancha de surfe na carroceria. Eu havia acertado outra vez —, pedindo que eu colocasse meu endereço no GPS. Não era tão longe, afinal, mas eu tinha economizado bons minutos vindo de carro.

— Eu nem sei como te agradecer, Bernardo — falei assim que ele estacionou — De verdade, muito obrigada por tudo que fez por mim hoje.

— Já falei que não precisa se preocupar — sorriu simpático — E, por favor, me chame de Bernie. É assim que me chamam todos os meus amigos.

— Então quer dizer que eu sou sua amiga? — perguntei em tom de brincadeira, porque era lógico que depois de hoje eu o consideraria muito.

— Isso não era óbvio? — sorriu da minha brincadeira — Ou você realmente pensou que eu deixaria você sumir? Nem pensar, mocinha...

— Pois eu acho ótimo que o único brasileiro além de mim nesta cidade não queira me perder de vista! — brinquei.

— Me dê seu celular que eu vou anotar o meu número — eu peguei no bolso meu aparelho e lhe entreguei, que foi ágil em salvar seu contato — Pronto. Me mande notícias quando resolver tudo.

— Pode deixar! — abracei-o rapidamente e saí do carro apressada. Esperei o elevador ansiosa e hoje ele parecia demorar mais que de costume. Quando finalmente cheguei ao meu andar entrei em casa apenas para vestir outra camiseta e logo em seguida bati na porta do meu vizinho, ansiosa para entrega-lo a sua roupa e com o coração acelerado por vê-lo. Eu sentia minhas pernas bambearem e a minha boca tremer, de puro nervosismo e ansiedade. Se me perguntassem o que eu diria eu nem saberia dizer, mas somente por estar aqui para me despedir eu penso que há de significar algo. Um sorriso nervoso era minha única expressão e assim que a porta se abriu ele se apagou por completo outra vez.

— Giulia... Que surpresa! — a loira exclamou sorridente e eu desisti automaticamente do plano — A que veio? — travei o maxilar, segurando o choro na frente de Ana.

— Eu só vim entregar essa camisa. Christopher esqueceu em meu apartamento. Mas, por favor, não lhe dê e nem diga que eu vim. Apenas coloque no fundo de uma de suas gavetas sem que ele perceba. Eu imploro — roguei-lhe com os meus olhos marejados.

— Claro. Pode deixar. Até porque não caberiam nas nossas malas! — ela sorriu alto e eu me mantive quieta.

— Obrigada. — foi tudo que eu disse antes de voltar para o meu apartamento. Eles realmente iriam juntos. Deixei que meu mundo desabasse através dos meus olhos e fiquei deitada na cama abraçando os meus travesseiros, remoendo a dor de ter visto o que eu vi. Eu pensando em me despedir para não matar a chance de algo existir futuramente entre nós e ele viajando com ela. Justo com ela.

Não tinha volta e não tem. Isso só me deixou mais claro que eu precisava esquecer Christopher de uma vez por todas.

Best Part • Christopher VélezOnde histórias criam vida. Descubra agora