Zylia de fato partiu no dia seguinte, ficando apenas parte do grupo. E os dias se passaram voando. Quando percebi, já fazia quase um mês que eu estava ali. Os dias que sucediam às noites eram melancólicos e chorosos. Meu irmão me reconfortava da melhor maneira que podia, mas eu sabia que o ápice dele chegava também.
Hale expressava diferente de mim. Ao invés de chorar, a fome dele aumentava em vinte vezes então comia mais do que necessário. Nos dias de rua, eu percebia ele se segurar, mas no acampamento, ele não hesitou. Experimentou tudo.
Eu não costumava tentar fazê-lo parar.
Alguns dias, passei no píer, outros dei algumas voltas pelo acampamento, reconhecendo o quanto era grande e repleto de tecnologia. Coisas que nunca vi na vida eram trocadas por grãos, roupas ou algum serviço.
Acabei me aproximando de Hallie, Emma e Abigail. Passei algumas noites com elas, tentando entender como era ser normal. Elas foram bem receptivas, e dessa vez não tocaram em nenhum assunto que envolvesse o passado.
Em um dia desses, eu e Abigail fizemos doce de panela com cacau e amêndoas.
— Você nunca comeu? Sério?
Ela estava indignada.
— É. Todo mundo tem uma primeira vez para tudo.
— Então o que você está esperando? Experimenta logo!
Assim o fiz.
Ela riu da minha cara de surpresa quando olhei para ela, de olhos arregalados e corpo curvado quando o doce derreteu na minha boca.
— Isso é delicioso!
— Eu sei. Vou te apresentar muitos doces ainda.
E ela fez isso. Durante a semana toda.
Eu e Hale preparamos chocolate quente na sexta, apesar do calor. Ele sempre me disse que gostava da bebida e vê-lo preparar para provarmos juntos foi um bom momento.
Ter um tempo com ele também me fez bem. Não tocamos em assuntos tristes, apenas os mais engraçados. Alguns episódios envolviam Zylia. E discutimos o que poderíamos fazer no dia seguinte. Nadar no lago estava, certamente, fora de cogitação.
Sua agitação me fez perceber que Hale estava muito feliz ali. Ele sempre lidou com as situações melhor do que eu.
Não vi Renoward em lugar nenhum durante todo esse tempo e só fui reparar quando, acidentalmente, esbarrei contra a mesma escotilha daquele dia. Eliya nos fez companhia, mas parecia tão ocupada que acabamos evitando incomodá-la. Eu entendia porque Zylia procurava tanto por novos membros para a liderança. Eles estavam exaustos de tanto trabalhar. Se dois do grupo saíssem do acampamento, as tarefas recaiam em cima dos outros de forma dobrada. Eles eram apenas em quatro. Precisavam de auxílio.
E depois de tudo o que tinha visto, do que tinha ouvido... talvez estivesse mesmo na hora de aceitar fazer alguma coisa de útil. Não aguentaria ficar para sempre parada. Não estava a fim de mofar.
Durante aqueles momentos com meu irmão, ou caminhando sozinha pela floresta, eu tomei uma decisão, por mais que tivesse medo da consequência.
Assim que eu estivesse pronta, eu destruiria Ayllier. Derrubaria pedra por pedra e faria isso sozinha se ninguém quisesse me ajudar. Mas eu me vingaria. Até o fim.
* * *
A noite já caía escura e tenebrosa. A tenda era iluminada por algumas velas que deixei acesa por não conseguir dormir.
Levantei da cama, alcançando meu casaco e saí da tenda, ignorando completamente o toque de recolher. Joguei o casaco por cima dos ombros enquanto caminhava em direção ao píer. Uma brisa fria balançou meus cabelos e eu estremeci.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Arthora | A Queda de Um Império
Fantasy[Obra concluída ✔] Há 980 anos, Arthora, um dos Sete principais Reinos, foi escravizado. Gaëlle Provence é descendente dos escravos, e esteve nos campos de escravidão quando era uma bebê, até que seu irmão, Hale Provence, fugiu com ela para evitar s...