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Os muros eram tão alto e grossos que me davam tontura ao olhar para cima. Cinzentos, robustos, tão lisos feito cascas de maçã. Não havia nem uma entrada, nem uma janela, nem algo que indicasse vida do outro lado. Nem guardas.

Amanhecia. O sol aparecia de longe, por entre as árvores, e batia contra minhas costas, deixando o formato da minha sombra nos muros de pedra.

Renoward estava ao meu lado e olhava para um dispositivo em sua mão. A esse ponto, já estava cansada de perguntar. Um trator parecia ter passado sobre mim, quebrando todos os meus ossos e levando meu coração com ele.

O soldado voltou a andar e eu o segui. Minha cabeça não funcionava; estava enevoada, estranha, pesada. Não sabia o que pensar ou o que fazer. Meus movimentos eram automáticos e lentos.

Eu andava a dois metros de Renoward. Ele guiava o caminho, o qual eu não sabia qual era.

Seguimos a extensão do muro até acabar a floresta, e um penhasco recheado de pedras descia até o rio com águas violentas. Pareciam com raiva.

Continuamos pela extensão do muro, em uma pequena faixada de terra que ficava acima das pedras. O sol batia no meu rosto, mas eu não conseguia me importar.

O luto doía.

A faixada de terra se alargou depois de alguns metros, com gramas verdes enquanto ainda conseguíamos ouvir a cachoeira do rio.

Um grande portão apareceu na nossa linha de visão, alto, de madeira, grosso. Era tão espesso, que eu mal conseguia enxergar lá dentro. Árvores estendiam-se à nossa volta e a brisa soprava forte. O ar estava úmido.

— Você está bem? — A voz de Renoward surgiu ao meu lado, forte e confiante, como sempre.

Voltei-me para ele. O soldado me observava com atenção. Os olhos verdes ficavam quase âmbar contra o nascer do sol.

Assenti. Ele franziu o cenho.

— Está com dor? — perguntou de novo.

Eu queria gritar com ele. Perguntar por que ele se importava. Perguntar o que ele tinha a ver com isso, e por que ele agia como se me entendesse. Algo me dizia que ele sempre teve tudo o que quis. Queria gritar e perguntar por que ele queria saber.

Porém, apenas neguei com a cabeça.

Meu braço latejava, mas eu já me acostumava com a dor. A interna era pior.

Ele concordou com a cabeça.

— Ótimo. Venha.

Nos aproximamos do portão. O soldado deu duas batidas rápidas e esperou.

Me perguntei se batidas e palavras gentis seriam o bastante para convencer os homens grandes e musculosos, duas vezes maiores do que eu e Renoward, a entrar.

Os guardas eram barbudos e feios, com cabelos desgrenhados, mas grandes demais. Vestiam roupas pesadas e carregavam duas grandes armas, além das espadas penduradas na cintura e das milhares de facas. Eles pareciam prontos para uma guerra que aconteceria a qualquer instante.

Lutar contra eles era morrer.

Engoli em seco.

Sem nem um comentário sequer, Renoward levantou uma arma e atirou nos dois, que caíram duro no chão.

Reprimi um grito, dando alguns passos para trás. Meus olhos estavam arregalados. Ele simplesmente atirou como se fossem nada! Me lembrei de Hale por alguns momentos, e o esforço de nada que Renoward fez para alcançá-lo. Ele era psicótico.

— Precisamos entrar — ele começou.

O empurrei para longe, fazendo-o se afastar de mim e sentindo a ferida do meu braço esquerdo latejar a ponto de me deixar zonza.

O soldado me olhava sem tentar entender.

— O que-

— Não vou com você. Não. — Neguei com a cabeça repetidas vezes. — Sem chance. Continue sozinho, caso queira.

Estava cansada de brigar, cansada de perguntar e de nunca ter a resposta completa. Me virei, voltando pelo caminho que viemos. Senti a mão enluvada de Renoward segurar meu cotovelo de novo. Tentei puxar, mas ele segurou firme e me virou, segurando meus ombros.

— O que está fazendo?

— Vou embora.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Ah, é? E para onde?

Cerrei os dentes. Desviei o olhar.

— Vou decidir isso depois. Me deixe em paz. Eu sei me virar.

Ele me estudou com os olhos. Um brilho curioso e convencido reluziu em seus olhos e percebi que ele estava deixando que eu enxergasse isso.

— Você acha que eles estão mortos.

— Eu acho? Você acabou de atirar neles! Estão caídos no chão, inertes! Achar é um eufemismo para ter certeza do que acabei de ver com meus próprios olhos.

Renoward não pensou duas vezes antes de atirar. Ele estava determinado a matar aqueles guardas. Mesmo que seria burrice tachá-los de inocentes, Renoward ainda não estava em uma guerra para sair matando todos os guardas ou soldados que visse pela frente. Não é como se tivesse acontecido um ataque também, assim como aconteceu na floresta.

O que me aterrorizava, não era o fato de Renoward ter apenas matado aqueles homens, mas sim porque sua única desculpa para isso era que ele queria entrar. Se ele matava homens por apenas desejar ultrapassar um portão, não faço ideia do que ele poderia fazer comigo.

Eu quase pude vê-lo sorrir.

Ele riu um pouco, baixinho.

— Eles não estão mortos, Gaëlle. Só estão sob efeito da mesma substância que você esteve. Vão acordar daqui setecentas horas.

Eu paralisei.

— O quê?

Mas que droga tinha acabado de acontecer?

Ele revirou os olhos, apesar de o divertimento continuar rodopiando dentro dos seus olhos.

— Você ouviu. Todas as munições de Álix são assim. Produzem em grande quantidade todo mês. São feitas para se adaptar a qualquer tipo de arma. Não matam, apenas derrubam.

Ele deu uma leve pausa.

— Aprenderia sobre isso nos próximos três meses de treinamento se nada disso tivesse acontecido.

Queria discutir perguntando se eu realmente deveria confiar nele, mas aquilo fazia total sentido. Zylia, de fato, não parecia o tipo de líder que dá munição com destino morte para seus soldados. Ela teria que encontrar uma forma de lutar a guerra e não matar ninguém. A não ser que não houvesse outra escolha.

Renoward me encarava com intensidade.

— Eu nunca matei ninguém, Gaëlle. Agora vamos. O tempo está acabando.

Com isso, o soldado segurou meu braço e me guiou para dentro dos portões, onde começamos a correr para impedir que os guardas nos alcançassem.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora