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Eu me afastei assim que percebi que estava confortável no seu toque.

— Se transformou em psicólogo agora, Renoward? — levantei uma sobrancelha.

— A ingratidão é abominável, sabia?

Me levantei, indo em direção a árvore que toquei alguns minutos atrás. Ao seu lado, outra começou a brilhar com outro toque meu. Havia espaço o bastante para passar entre elas.

— Assim como todo cidadão sulmanita. Isso não deveria ser discutido.

Renoward deu um riso desanimado.

— É verdade.

Eu mal reparei que abri um sorriso. Uma pequena brisa soprou contra meu rosto, e fechei os olhos por alguns instantes. Relaxei os ombros e abri minhas mãos, deixando-as resfriarem-se com o vento.

Ao abri-los, reparei que uma figura escura e grande se aproximava, com passos precisos e formosos, mas prontos para agarrar sua presa.

Um animal. Um predador de dentes afiados. Um movimento brusco e nossos pescoços já eram.

Entretanto, eu sabia que aquele animal não queria me devorar. Nem abocanhar. Seus dentes eram afiados, mas ele jamais mastigaria carne humana. Os olhos, na verdade, eram curiosos, e o focinho, cheirava com precisão.

— Você só pode estar brincando... — acho que eu ainda estava sorrindo.

— Gaëlle, saia daí. — A voz de Renoward se fez urgente.

Percebi que ele já estava próximo de mim, com as mãos prontas para sacar qualquer arma, atirar qualquer bala. É claro. Um soldado jamais sairia de casa sem uma arma.

— Gaëlle... — Senti as luvas de couro agarrarem meu braço.

— Calma, princeso. — Revirei os olhos. — É apenas um kedi. São mansos.

O animal se aproximou, ainda cheirando, hesitante demais para ser rápido e curioso demais para ir embora.

Dei alguns passos de leve e me ajoelhei na sua frente, deixando que ele farejasse minha cabeça. Sua grande língua deslizou sobre meu rosto, deixando um grande rastro de gosma fedida.

Eu ri, limpando-me.

— Oi. — Saiu como um sussurro cansado, mas eu estava encantada demais para falar mais alto.

Durante toda minha infância, jamais imaginei que conheceria um, porém eu sempre soube a verdade sobre eles. Naquele momento, era como se eu estivesse mais consciente de que tudo já havia acabado há tempos.

O kedi se sentou e continuou me analisando. Sua orelha era como um leque dobrado para fora, com três ligamentos, e feita de couro. Se assemelhavam a asas de morcego, mas eram rentes a suas cabeças.

Levantei o braço e toquei a parte de baixo de sua mandíbula, acariciando o pelo negro. Ele levantou a cabeça e fechou os olhos, fazendo um barulho fofo baixinho.

— O que são isso? — perguntou Renoward, agora ao meu lado, ainda de pé.

— Você não sabe? Me impressiona que nunca tenha visto nem ouvido falar. Mas acho que como já viu, são felinos pretos e mansos. A pelagem é sempre escura e eles têm essa orelha bizarra que os faz ter mais velocidade. Só vão te comer se você for uma ameaça.

Renoward, por hora, não respondeu.

— Pensei que não existissem.

— Eu também, até ver um — enfatizei. — São originários do antigo território de Rafflésia. Andei observando, esses animais são ótimos caçadores.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora