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Escolha um pra você também.

A fala de Zylia me fez ficar um pouco zonza.

— Quê?

Ela virou.

— É, sabe. Tem muitos aqui e provavelmente vão para a doação. Escolha um. Não vai fazer falta para mim.

Nem para ninguém, eu imagino. Escolher um vestido? Não me lembro quando foi a última vez que usei um. Ou que reparei na roupa que estava usando.

— Ah, eu não sei...

— Você vai, né?

Encarei-a por alguns segundos.

— Onde?

— Na festa.

— Ah. Vou. Acho que vou.

Eu iria na festa? Não me lembro de ter pensado nisso.

— Então pode escolher um.

Hesitei. Não me lembrava de como escolher um vestido. Não me lembrava como era poder escolher. Escolhas sempre foram limitadas, principalmente em Ayllier. Lá, ou fazíamos o que pediam, ou tínhamos as costas rasgadas.

Levantei e caminhei até os que estavam jogados.

— Não tenho muita facilidade pra essas coisas — constatei.

— Ok, vamos ver. — Zylia desceu da plataforma e começou a mexer na arara, procurando algum modelo ou cor. — Se ficar grande podemos ajustar. Tem um tempo ainda.

Dois dias. Mas é, tínhamos tempo. Contando que ela era mais alta do que eu e possivelmente mais forte, já que eu não me movia por grandes lugares havia um período longo e minha alimentação sempre foi baseada em comida barata.

— Vamos pela cor — disse. — Qual você acha que combina com você?

Me virei e me deparei com um espaço visível do espelho, onde pude me ver. Havia esquecido o quanto meu cabelo era vermelho. Vermelho vivo, como o sangue que percorria minhas veias. E liso e cheio. Moldado. Grande, mas fino. Um pouco desgrenhado, mas extremamente lindo.

Não tive coragem de encarar meus olhos. Decidi me basear apenas pela cor do cabelo.

— Vinho.

Zylia sorriu.

— É uma ótima cor.

Observei os que estavam jogados, ou melhor dizendo, adequadamente bagunçados; fora do lugar.

Levantei um vestido vinho um pouco acima da minha cabeça para que Zylia o visse.

— O que acha desse?

Ela analisou, séria. Inclinou a cabeça para o lado e fez um biquinho.

— Não sei. O que você acha?

Olhei-o melhor. Coloquei-o na minha frente, sentindo sua borda bater nas minhas panturrilhas e comecei a me perguntar veemente se era aquilo mesmo que eu queria.

Definitivamente não.

— Acho que esse aqui está melhor. — Virei a tempo de ver Zylia erguer um esboço de um vestido. Lindo, simples; perfeito pra mim. Mangas finas com um brilho leve e corte simples; tamparia bem as costas e eu poderia jogar o cabelo para trás para terminar de cobrir. Um vestido que jamais surgiria na minha cabeça caso tentasse criar o perfeito.

Sorri.

— É lindo.

— Então é seu. — Ela esticou o braço, estendendo o vestido. — Vamos, prove.

A herdeira indicou o closet com a cabeça.

Peguei o vestido, agora coberto cuidadosamente com a capa de cetim preta que a tenente jogou por cima, e caminhei até o grande armário de Zylia. Poderia ser chamado de um cômodo, na verdade.

E quando vesti, fechando o zíper atrás de mim e o tecido se encaixou da forma certa sobre meu corpo, não tive dúvidas sobre qual escolher.

* * *

Eu já tive dúvidas sobre o futuro. Tive mesmo. Achei que não seria capaz de chegar na maioridade, ou que minha vida jamais mudaria.

Mas naquele dia, eu não tinha dúvidas sobre isso. Tudo estava bem. Eu e Hale nos recuperávamos, tínhamos um lugar para ficar, apesar de temporário – ainda teríamos uma casa depois. Zylia era gentil conosco e nos ajudava bem mais do que ela, de fato, precisava. Na verdade, proteger dois arthorianos fugitivos não era a obrigação de ninguém, mas ela ainda cuidava de nós. Eu fiz amigos, conheci um lugar novo, com novos costumes.

Eu diria que as coisas estavam muito boas. Boas até demais para continuarem assim. A festa aconteceria em dois dias, e seria minha primeira vez participando de uma. Pensei que agora, as coisas ficariam melhores. Pensei que a paz finalmente reinaria na minha vida.

Nunca acontece do jeito que queremos. Nem como pensamos.

A festa nunca aconteceu.

Foram só os jogos que começaram.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora