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Eu diria egocêntrico. Renoward era estúpido e egocêntrico. Se tivesse deixado, se eu tivesse alcançado, teria salvado Hale. Mesmo que a águia o levasse para longe.

Minhas mãos estavam geladas quando acordei. De súbito, ainda tentei abrir os olhos, mas fui tomada pela decepção e desespero quando lembrei e percebi que ainda não podia. Não sei quanto tempo demorava para passar aquela coisa.

Soube que Renoward não me carregava mais quando ouvi o crepitar do fogo. E minha cabeça estava apoiada em algo duro. Sentia as folhas e galhos debaixo de mim, e a terra úmida por causa da chuva sob meu cotovelo.

Eu queria implorar para que ele me tirasse daquele estado, mesmo que isso soasse estúpido o bastante para ele me tachar de fracote. Mas não havia como. Eu só levantaria quando o efeito passasse. Ou quando Renoward quisesse.

Senti alguém pegar meu braço. A textura da luva de couro continuava ali. Ele passou os dedos ao redor da região machucada e eu teria gritado caso pudesse. Caso tivesse o controle. Soube que ele retirou a tira de tecido quando senti o sangue seco repuxar na pele. Algo gelado veio sobre a ferida logo depois, que ardia e incendiava meu corpo, mas não tanto a ponto de gritar. Na verdade, aliava um pouco da dor. O pano seco que retirou o excesso do líquido aliviou ainda mais.

A textura da gaze também ajudou. Renoward enfaixou a ferida.

Ainda o achava egocêntrico. Ainda estava com raiva. Queria quebrar seus dentes.

— Sei que está acordada. Ao contrário do que muitos pensam, o movimento sob suas pálpebras ainda é visível — disse de repente. — Vou deixar algumas coisas claras. Caso tente correr, eu não terei piedade. Se fizer perguntas demais, eu vou sedá-la de novo. Sei o quanto é terrível estar no seu lugar.

Ele fez uma pequena pausa.

— Você vai esperar até chegarmos. Então vou explicar algumas coisas. E tenha paciência. — Essa era a última coisa que eu queria ter. — Meu tempo não é capim, muito menos o de Zylia. Trate de valorizar o que estamos fazendo por você.

A agulha entrou no meu pescoço, e seja lá qual líquido era aquele, foi tão doloroso quanto o primeiro. A dor rasgou garganta abaixo, dilacerando cada célula interna. O líquido me sufocou e meu deixou sem ar por alguns segundos antes que eu conseguisse abrir os olhos.

Curvei-me para frente, tossindo e tentando expelir aquilo para fora.

— Que-

Avancei sobre Renoward, jogando-o no chão. Estava zonza, mas me mantive firme. Meus braços estavam fracos, mas eu o desequilibrei. O soldado caiu no chão e eu levei meu braço bom até sua garganta, forçando suas entranhas. Os olhos dele se arregalaram. Ele socou minhas costelas, me desnorteando, mas ainda com a pouca força que ele aplicava durante os treinos, e me encolhi, gemendo de dor.

Minhas mãos tremiam. Água quente já escorria dos meus olhos.

O soldado se levantou, me encarando.

— O que eu acabei de dizer a você?

Não dei tempo para que ele continuasse, e girei, passando minha perna sob a dele. Meu braço ardia em fogo e dor. O observei cair no chão, e avancei de novo. Soquei-lhe o rosto, onde minha mão bateu contra a máscara preta e impermeável de Renoward. Dura e severa, ela fez um corte na minha mão, mas o atingiu profundamente também.

— Isso é culpa sua — gritei, entre dentes. — Se eu tivesse chego a tempo, ele estaria vivo. Ele estaria aqui. Eu teria salvado ele. Eu ia acertar, mas você estragou tudo!

Ele segurou meus pulsos e impulsionou, girando. O soldado prendeu meus pulsos contra a terra fresca e cheia de cascalhos. Era impossível ler seus olhos.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora