Leo

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"É difícil defender, só com palavras, a vida".

(João Cabral de Melo Neto)

Rey e Kylo Ren estavam agora na nave que deveriam usar para deixar Jakku, a garota imediatamente sentou-se na cadeira de comando e começou a manipular um mapa do próprio planeta desértico o que deixou Kylo Ren no mínimo intrigado, ele usou a conexão que partilhavam, a fim de encontrar uma resposta para ações de Rey e não gostou do descobriu.

-Você não pode deixar essa nave para salvar desconhecidos - Disse Kylo Ren ainda de pé - Não podemos chamar atenção da Primeira Ordem ou dos Rebeldes.

-Não posso deixar mulheres, crianças e inocentes nas mãos de mercenários - Rebateu Rey já se colocando de pé e deixando o sabre de luz sobre o painel - Não usarei armas que possam reconhecer.

-Rey os boatos vão se espalhar - Garantiu Kylo agora com severidade - São apenas catadores, prostitutas e escravos, não valem a pena serem salvos.

-É isso que eu sou Kylo Ren - Garantiu Rey perplexa demais franzindo a testa - Eu sou como eles...

-Não, você é poderosa, é especial - Rebateu Kylo como se isso fosse óbvio

-Me considera especial porque tenho a força, porque tenho isso dentro de mim, mas a Rey antes desse despertar não valia a pena ser salva? Todos nós possuímos a força inclusive aqueles catadores, escravos e prostitutas - Garantiu Rey rebatendo Kylo com absoluta firmeza - A vida deles não vale menos do que as nossas e a escravidão não precisa mais ser o destino deles. Não tente me impedir.

-Não irei ajuda-la Rey, mas posso roubar uma nave e sinalizar a localização para que você os resgate, eles saberão encontrar o próprio caminho - Disse Kylo após alguns minutos de silencio que pareciam horas, agora ele estava de costas para Rey.

-Faça isso, mas não se preocupe, eu nunca esperei sua ajuda - Rey estava agora na porta de saída da nave e então completou- Eles são bons demais para você.

Kylo Ren se sentou fechando os olhos na cadeira de comando sabia que havia ofendido Rey de todas as formas possíveis em três frases, mas também sabia que seu orgulho era grande demais e que a inutilidade daquela missão era óbvia até mesmo para o pior dos estrategistas. Porém Rey era boa, aquele ato era a mais pura demonstração da luz dentro dela e por um instante Kylo revisitou a memória de todas as mulheres e crianças que matara. Eram tantas que enquanto sua mente tentava encontrar os números simplesmente se perdia, ele se esquecera de quantas vidas inocentes havia tirado.

***

Rey estava na exata localização apontada no mapa, a grande nave de metal havia sido convertida em abrigo óbvio para os escravos que não podiam sair para desbravar o ambiente inóspito de Jakku. Ali residia todos juntos: mulheres grávidas, idosos, crianças e mulheres doentes que incapazes de pegar sucata se vendiam para os forasteiros. Eram os esquecidos, humilhados, excluídos. Aqueles que viviam em um galpão de escravos por serem fracos demais para sobreviver no ambiente inóspito de Jakku.

A garota jedi havia ido até a própria nave porque queria confirmar a localização do abrigo, apenas desejava ter certeza que nada mudara no tempo em que se afastou. Aquela grande sucata compartilhada por tantos indivíduos fora o lugar que viveu seus primeiros anos como escrava até ser velha o suficiente para desbravar o planeta e encontrar seu próprio ˜lar˜. Ela conhecia como ninguém o galpão e sabia que era devidamente guardado por alguns seguranças para evitar tentativas de suicídio coletivo, motim ou mercenários.

Desse modo, avançou pelo local se esgueirando, atacou os guardas silenciosamente com seu típico bastão de luta, usou a força para desmaiar todos os que circulavam pelo perímetro e chegou finalmente até a área em que todos dormiam. Sabia que havia derrotado todos os guardas, porém o modo mais eficiente de despertar todos seria ligando as luzes e foi isso que Rey fez.

-Quem é você? - Gritou um velho homem para Rey fazendo os outros acordarem.

-Mercenários invadiram Jakku, eles darão a vocês um destino pior do que a morte - Rey tinha confiança e misericórdia em suas palavras - Tenho uma nave, todos poderão partir desse planeta e começar uma vida nova, alguém sabe pilotar?

Quatro pessoas levantaram a mão, eram duas mulheres, um idoso e um homem com uma única perna. Rey fez sinal para que todos a seguissem e eles atenderam o pedido da jovem, muito provavelmente porque aquela tinha sido a primeira oportunidade real de escaparem. Rey seguiu com o grande grupo até o local em que as naves em funcionamento ficavam, a garota foi ágil em usar seu bastão ou a força com todos que se aproximavam, felizmente Kylo Ren havia cumprido a promessa que fizera. Encontrara uma nave apropriada, deixara tudo aberto para que os passageiros pudessem adentrar e demarcou o local com uma lanterna que iluminava parcialmente a nave.

-Deixem o lugar - Disse Rey para o grupo quando estavam de frente para a nave - Saiam daqui e não olhem para trás, os mercenários ainda estão atacando os senhores mas em breve eles virão por vocês. Então partam!

O grupo assentiu e aqueles que sabiam pilotar foram na frente. Rey se afastou correndo para a sua própria Slave I e quando finalmente estava na frente da nave que usaria para sua fuga junto a Kylo Ren pôde ver que a fuga dos prisioneiros de Jakku. Rey adentrou a nave e encontrou um Ben Solo pronto para partir, a garota se sentou ao lado dele na sala de comando e a nave decolou.

-Eu não sou bondoso Rey - Parte de Kylo ainda hesitava muito ao dizer o nome dela, o impulso de chama-la de sucateira era sempre mais forte - Sei que deseja acreditar nisso...

-Você estava sendo bondoso - Garantiu Rey em tom áspero.

-Não, eu estava sendo bondoso com você - Admitiu Kylo incapaz de revelar seus motivos egoístas - Você é uma igual, o restante está abaixo de nós.

-Então por que roubou a nave? Por que os ajudou? - Questionou ela tentando retomar a perspectiva de luz.

-Eu fiz porque minha única outra opção era mata-la com as minhas próprias mãos - Respondeu Kylo com a voz severa - Decidi que se não podia mata-la, deveria fazer algo por você e eu fiz.

Rey não queria discutir mas lançou um olhar de confusão e fúria se afastando. Kylo sabia que adotara uma postura controlada, amigável e próxima porque não podia perder uma aliada e porque parte de si mesmo se encontrava na desesperada ansia pelo equilíbrio. Os acessos de raiva, o descontrole absoluto e a raiva latente não tinham espaço em uma aliança e ele compreendia isso bem o bastante para se conter. Porém quando se tratava de guerra as coisas eram diferentes, ele não podia ser passivo e silencioso. Nesses casos ele era e sempre seria um Cavaleiro de Ren.

Os dias se transcorreram com alguma tranquilidade, a galáxia estava estranhamente silenciosa e ainda que buscassem informação sobre o que acontecera depois, já não tinham essa respostas ou noticias. Kylo Ren sabia que a liderança da Primeira Ordem agora pertencia ao General Hux e Rey desejava que todos estivessem a salvo na Resistência, ainda podia sentir a existência de Luke, ou seja, ele estava vivo e havia se reconectado com a força. Rey e Kylo já não conviviam, se revezavam nos controles, faziam as refeições juntos nos espaços em comum da nave e Kylo treinava compulsivamente em seus aposentos sozinho, já Rey tentava se concentrar no seu próprio poder. Normalmente, no meio da tarde, sentavam lado a lado comandando a nave e em todos esses momentos Rey - sabendo da proximidade do Cavaleiro - tentava esquecer o beijo que ocorrera entre eles.

-Não precisamos falar sobre isso...- Garantiu Kylo Ren naquele dia, já não aguentava mais sentir a tentativa contínua de Rey de ignorar aquele famigerado beijo todas as vezes que estavam na companhia um do outro.

-Nós não podemos trair aquilo que somos, aquilo que acreditamos - Declarou Rey ainda olhando para frente e encarando o espaço infinito diante deles.

-Eu sei - Respondeu Kylo dirigindo o olhar para Rey.

Ambos carregavam uma mistura de condenação e pesar, sentiam-se invadidos por aquilo que eram sozinhos em suas convicções e o que nunca seriam enquanto estivessem juntos. A escravidão eterna entre o que de fato eram e o que gostariam de ser.

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