I know I can

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Vocês conheceram um pouco da Sheilla e agora irão conhecer um pouco da Gabriela antes que elas mesmas se conheçam. Aproveitem, vejo vocês em breve.

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Gabriela Guimarães abriu o folheto ''Gravidez e Maternidade'' que estava em uma pilha na mesa de café, ela folheou-o com uma carranca profunda em seu rosto. Era tudo rosa, brilhante e feliz. Na verdade era até muito brega, o que só piorou e deixou maior o abismo enorme de ansiedade e nervosismo que se formava em seu estômago.

– Você sabe – ela disse, enquanto ainda mantinha seus olhos no folheto em sua mão. – Eu estou seriamente tendo segundos pensamentos sobre isso.

Logo a cabeça de Juliana apareceu de trás da porta do quarto, com olhos arregalados. – Nós não precisamos ter essa conversa de novo, certo?

– Deus, não... – disse Gabriela ao mesmo tempo.

A "conversa" foi uma apresentação de uma hora e meia, que Juliana tinha dado. Gabriela poderia até citar suas partes favoritas dessa apresentação "Você sabe o quanto precisa desse dinheiro" e "O pagamento será incrível" e "Se você tem um plano melhor pra ficar rica rápido, eu adoraria ouvir". Ela realmente não precisava ter essa conversa novamente.

– É só que... Isso é real, Ju. Gravidez.

– Sim, eu li nesses folhetos que tinha que ser real, ou então não ganharíamos o dinheiro.

Gabriela riu, apesar de tudo.

Juliana passou por cima do punhado de caixas de papelão cheias e pilhas de material de arte para pousar no final da mesa de café, inclinando-se e apertando as mãos de Gabriela firmemente. – Olha, eu entendo que é estranho pra caralho. Se houvesse qualquer outra maneira de ter o dinheiro, sem você ter que... você sabe, até eu o faria. Sério. Se eu pudesse, eu seria a única ficar grávida, não você.

Gabriela zombou, porque ela sabia que era uma mentira. – Você já leu essas coisas? Viu essas imagens? Viu como meu corpo vai ficar? Você não poderia lidar com isso.

Juliana revirou os olhos. – Okay, talvez. Mas estamos bem?

Gabriela lhe deu um soco de leve no braço, sorrindo carinhosamente. – Sim, perdedora. Estamos bem.

Bom, é claro que elas não estavam bem. Nem um pouco. O apartamento tem ficado cheio de caixas desde que elas se mudaram pela primeira vez, e agora as poucas coisas que elas tinham, elas nem se incomodavam mais em desempacotar. Logo elas teriam que mudar mesmo. Não seria a primeira vez que elas iriam ser expulsas. Essa música tanto ela quanto Juliana, já tinham dançado várias vezes. A primeira vez que isso aconteceu, foi logo quando ela saiu da faculdade.

Tudo tinha começado muito bem, estudante de medicina, olhos brilhando, sonho de salvar vidas e sempre ajudar o próximo. Gabriela recebia notas boas em todas as suas aulas e geralmente os professores gostavam dela.

Tudo mudou depois que ela mudou seu curso. Não foi um declínio imediato no seu padrão de vida, ela ainda vivia feliz no dormitório do campus com sua companheira de quarto que se tornou sua melhor amiga. Mudar de medicina para arte fez sua vida tomar um rumo diferente.

Não mudou logo no início, é claro, ela vivia bem e quando se formou foi homenageada e recebeu prêmios da galeria de exposição. Gabriela era uma artista talentosa, todos os seus professores disseram que ela iria brilhar no mundo da arte.

Mas aí, isso não aconteceu.

Ela se formou, foi pro mundo real e começou a pintar. Infelizmente, percebeu tarde que o mundo da arte não rendia tanto assim e as coisas eram mais difíceis do que ela esperava. Ela trocou de apartamento quatro vezes nos primeiros dois anos pós–faculdade. Gabriela continuava pintando, teimosamente durante todo esse tempo. Teve dias que ela mal comia para poupar dinheiro e pagar seu aluguel. Mesmo sem ar condicionado, no calor do verão, foi quando ela havia pintado suas melhores peças. Elas eram sombrias e de alguma forma, capturavam perfeitamente o vazio e o desespero que sua vida havia se tornado.

Feels Like Home | SHEIBIOnde histórias criam vida. Descubra agora