POV. NICOLAS
Se estou ficando louco, não sei, mas preciso admitir que as minhas tardes com a Pérola estão sendo bem agradáveis, acho que essa palavra não é muito boa para descrever, talvez divertidas seja bem melhor.
Ela faz comentários que você morre de rir, eles te pegam desprevenidos, então acho que isso é o melhor de tudo. Poucos minutos atrás a garota resolveu contar sobre como foi dormir com os músculos entrevados, descrevendo toda a rotina após nosso primeiro dia de treino.
E todas às vezes que dou uma instrução, ela finge que sabe mais e apenas faz do jeito dela. Mas, tem momentos, alguns específicos, onde fica parada me observando levantar peso.
— Não chute assim. — Falo tarde demais, ela já bateu com força o pé de mau jeito e a dor atravessou seu rosto no mesmo instante.
Corro até ela, que está sentada no chão socando o piso como se fosse amenizar um pouco, pego o seu pé descalço e analiso com conhecimentos nenhum se foi uma torção. Como disse, não tenho conhecimentos, então não faço ideia da gravidade. Pela sua expressão, está doendo bastante.
— Puta merda...
— Consegue ficar em pé?
Ela aperta o tornozelo, contendo qualquer xingamento de sair de sua boca. Pelo visto minha pergunta foi bem idiota, percebendo isso passo o braço dela ao redor do meu pescoço, depois o meu atrás dos seus joelhos para suspender o seu corpo. Tenho dificuldades até chegar no quarto, porque estou carregando alguém com quase o meu peso, ela não é a pessoa mais leve do mundo, apesar de aparecer magra estruturalmente.
— Como está isso aí? — A coloco na minha cama. — Acho que não quebrou nada, só torceu pelo visto.
— Está doendo... pra caralho — Fala com os olhos arregalados e as narinas dilatadas.
Seus dentes rangem em um xingamento contido.
— Eu imagino.
Alcanço o celular na mesinha e procuro o número do médico na lista de chamada, um homem que meus pais fizeram contato assim que nos estabelecemos aqui. Como a minha mãe sempre diz: tenha contatos, não amigos. Isso é bem real, pois agora necessito muito de um médico, que no caso um amigo não conseguiria resolver o meu problema.
— O que está fazendo? — Ela estica o pescoço para espiar o meu celular em mãos. — Não me diga que vai chamar um médico?
Quando tem uma confirção, ela rouba o aparelho de mim e o desliga.
— Amanhã já sarou.
Como ela ainda está viva pensando dessa forma?
Não é possível que ela espere o tempo curar tudo.
E se isso for uma luxação no osso?
Assisto sem reação alguma ela colocar o meu celular no travesseiro, longe do meu alcance.
— Tem certeza que não é melhor...
— Tenho. Agorinha está curado — Abre um sorriso confiante. — Se teimar eu pulo a janela.
Aparentemente sou o único me importando com o machucado dela aqui, e não sei se devo me preocupar mais ainda em andar com a Pérola a partir de agora, porque caso aconteça algo sério, a garota ficará assim, de boa. Eu poderia chamar o médico por cima da decisão dela de preferir curar com o vento, mas aí talvez ela escaparia pela janela e cairia do quarto andar. O que ia custar sua vida.
Como explicaria para a Grace que possui um cadáver no jardim?
— O que eu posso fazer? — Pergunto depois de andar por todo o quarto em busca de uma solução, pois não é possível que enquanto estou tão preocupado ela esteja relaxada na minha cama.
— Daqui a pouco o meu pé vai estar três vezes maior que o seu, a dor começará a pulsar e me causar desconforto...
— Isso não está me ajudando a achar uma solução.
— Eu sei.— Dá uma risada que me faz duvidar de sua sanidade.
Seria febre pós traumática?
— Deita aqui e vamos assistir um filme, Nicolas.
Ela não quer ir para a casa dela? Seria o mais recomendável já que se machucou e está impossibilitada de andar. Mas, estamos falando da Pérola, a garota que quer assistir filme com um pé machucado.
— Deita aqui logo. — Ordena autoritária.
Ela se arrasta para o lado esquerdo da cama fazendo uma careta e dá duas batidinhas em seguida no lugar vazio direcionado a mim.
— Qual filme quer assistir? — pergunto, rendido.
— Dory. Você precisa ver essa obra de arte.
Pego o controle da TV e seleciono o filme que eu já tinha comprado, não digo a ela que assisti faz pouco tempo, porque parece que está animada para ver o filme comigo. Isso soa errado, enganar alguém e ser sinico ao ponto de passar quase duas horas fingindo reaçãos, mas vou fazer o que se tenho coração mole?
— Já viu esse filme quantas vezes?
— Várias e várias vezes.
Eu nunca assisti um filme mais que uma vez, simplesmente não consigo pelo fato de já saber toda a história e o final, então é entendiante mesmo ser for o seu favorito. Não dá a mesma emoção, não é engraçado as cenas de comédia, não é triste as mortes. Porque já vi.
Dou início ao filme, mas me distraio enquanto me ajeito na cama para tentar ficar confortável diante da presença de alguém deitado comigo que não seja a minha irmã mais nova, e pego uma parte do montinho de travesseiro que fiz para ela, devido a minha síndrome de velho, gosto de ficar com o pescoço apoiado no alto. A Gih costuma dizer isso para mim quando vem dormir aqui, ela questiona a grande quantidades de almofadas na cama, dizendo que ocupam muito espaço. As vezes gostaria de dizer a ela que reclama demais para alguém que está no espaço de outra pessoa.
A Pérola então durante várias partes do filme começa a me lançar olhares curiosos, isso me distrai, só que entendo sua obsessão por tentar ver se estou curtindo seu filme favorito. Ela espera a minha reação, e eu me forço a esboçar alguma coisa. Começo a me arrepender de ter assistido antes, porque é difícil saber que reação ela espera de mim.
— Essa parte é a minha favorita!
Dou um pulo na cama quando ela grita.
— Então assiste. — Peço, ainda me recuperando do susto. Estavamos tão concentrados que isso me pegou desprevinido.
O filme chega na cena dos créditos, ela olha para mim de canto de olho e então passa o dedo gelado na minha bochecha. Não esperava isso, confesso. É um toque sincero de sua parte, mas não sei que expressão tem no rosto, porque prefiro evitar contato visual.
— Você chorou? — Sua pergunta soa baixinho. — Não acredito que estou vendo o Nicolas Paxinte chorar na minha frente.
Droga, a luz da TV ilumina demais o meu rosto.
Me viro para o lado oposto, a fim de me esconder dela.
Agora irá me zoar até sua morte talvez.
— Está tudo bem, eu também chorei. — Me diz, ainda com o mesmo tom de voz.
Pela primeira vez sinto uma coisa diferente do comum, é como ser acolhido. Não sei como eu tenho uma explicação do que é esse sentimento, mas dá para fechar os olhos e imaginar que ele é quase como ser pego por mãos em concha, como se o seu tamanho fosse igual a de pequenas nozes. O mais incrível é que eu nunca fui pego em concha, só que sei como é. Acabei de descobrir.
Me viro e ela está perto demais, segurando um sorriso gentil no rosto, não de deboche. Na minha frente é apenas a Pérola que não tive a oportunidade de conhecer ainda. Consigo ver também os cílios molhados, a prova de um possível choro com o final que o filme nos proporciona. Diante disso, não me sinto fraco, apenas sensível, e talvez covarde por não admitir isso.
— Quem não chora com Procurando Dory, não tem coração. Que bom que você tem coração, Nic.
Sorrio para ela, um reflexo que não consegui segurar.
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Absolutely nothing
RomancePérola é livre, quando sua mãe permite, e gosta de viver cada minuto. Vem de uma família comum, semelhante à de quase todo mundo, sempre se metendo em confusões e tentando sair com o seu jeitinho. Apesar de nunca ter beijado ninguém, tem uma paixão...