17 - AZEDO

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POV. NICOLAS

Ela veio para escola, e o seu pé está três vezes maior que o chinelo que está usando. Não sei se me surpreendo com falta de responsabilidade por ter ignorado a minha mensagem da noite passada dizendo para ir ao médico, ou, se dou uma risada pelo pão com os dedos. Ela manca até a mesa, os olhos atentos a professora já dando aula, enquanto todos da sala parecem notar a substituição do calçado que é uniforme padrão, pelo chinelo de tiras iguais às que seu avô usa.

— Você veio.

— Minha mãe não me deixa faltar por qualquer coisa.

— Mas é um pé machucado. Olha o tamanho disso... parece um peixe baiacu.

Ela se senta e joga a bolsa na mesa. Noto que não são apenas os sapatos faltando, seu uniforme está todo abarrotado também.

— Seu pai não a trouxe?

— Ele foi cedo demais para o trabalho, então sai correndo atrás do ônibus e perdi, precisei esperar o segundo.

Se eu disser que entendi, estarei mentindo, porque realmente imaginei ela correndo atrás de um ônibus e o motorista não a vendo. Mas, como é que ele não teria visto uma aluna aos berros atrás dele? no mínimo algum outro passageiro teria avisado da situação.

Já no intervalo, Ravid me viu ainda sentado em meu lugar e não indo para o pátio com a turma dele. Depois de refletir bastante, acho que prefiro ficar na sala, talvez isso tenha chamado a atenção. Me pergunto se cheguei a ser uma figura importante na rodinha, não levando em consideração que falei poucas vezes enquanto eles papeavam.

O cara se aproxima, apoiando as mãos na mesa, e inclina na minha direção com aquele sorriso forasteiro que eu acredito ser o ponto fraco da Pérola.

— Por que não está ficando com a gente no intervalo mais?

Eu o estava evitando. Evitando todo o grupinho dele.

— Tenho que estudar... — Mostro o meu caderno aberto.

— Que isso, é hora do descanso. — Toca meu braço.

Então, seus olhos caem na Pérola, depois em seu pé apoiado em uma cadeira que ela colocou no corredor. Poderia ser educado e dizer que agora o inchaço virou um pãozinho francês, só que nem consigo ser educado nessas horas, se o pé dela está do tamanho de um pão, só pode ser o dinamarques. E a conversa que era sobre mim, agora o foco mudou.

— Você melhorou? — Pergunta, preocupado.

— Ah, sim, está inchado e um pouco dolorido, mas logo passa.

— Sua mãe contou à minha mãe sobre seu machucado, pensei que não era tão feio assim.

Ele dirige um de seus sorrisos à ela depois de afofar seu cabelo como gesto de carinho. Fico observando essa cena sem dizer uma palavra, até porque não é assim que irei conseguir voltar a me concentrar nos exercícios do caderno. A Pérola não fica irritada, mesmo que esse gesto tenha bagunçado mais os seus cachos, na verdade, a garota parece boba com o toque brincalhão do Ravid.

— Se precisar de ajuda, me avisa — Pisca.

Ele sai dramaticamente da sala, eu acredito que não foi de propósito, e entendo completamente os motivos da paixão da Pérola nele, faltou apenas uma frase de efeito para assim se tornar um protagonista de filme. É coisa da minha cabeça ou ele realmente se moveu em câmera lenta?

Me pego observando a garota ao meu lado depois da presença do Ravid, sem surpresa nenhuma ela está com aquela expressão de sonhadora. Isso me causa incômodo, me transformo em um ranzinza de repente, me perguntando quanto tempo ainda a Pérola precisará para esquecê-lo.

Imagina ter alguém que te olhe dessa maneira. Isso é algo que me faz pensar, me faz até desejar ter alguém sendo assim por minha causa. Ah, se eu fosse o Ravid, com certeza perceberia a diferença que a Pérola o olha com o jeito das outras pessoas, porque de qualquer jeito, ninguém nunca me olhou dessa maneira.

— Ele parece se importar comigo...

— Pelo o que eu me lembre, ele foi reprovado no teste que fizemos. Me parece que não gosta de você romanticamente. — Resmungo.

— E se for só o jeito dele de demonstrar?

— Aí não é culpa minha se prefere ficar iludida pelo carinha popular da escola.

— Por que não volta a fazer os seus exercícios? — Ela franze as sobrancelhas, sua voz afinando de acordo com a irritação.

— Por que não vai para onde estão suas amigas, assim posso fazer meus exercícios sem suas intromissões.

— Você está azedo hoje. — Cruza os braços e finge cochilar no encosto da cadeira. Não sei até quando vai conseguir manter o bico fechado.

A Pérola sempre é durona e elétrica, mas quando se está falando do Ravid é como se fosse uma película fina, não a Pérola de verdade. Nem parece a mesma garota que ameaçou chutar meu saco quando tinha acabado de me conhecer. Sim, ela usou essa palavra para descrever minha região íntima.

Absolutely nothingOnde histórias criam vida. Descubra agora