22 - ÔNIBUS PELA PRIMEIRA VEZ

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POV. NICOLAS

A Pérola está há duas horas sentada na frente da máquina antiga dela, assistindo a alguma coisa, aparentemente novelas. Ela me chamou para assistir junto, mas eu recusei. Não consigo assistir coisas longas demais, paro na metade e nunca mais volto a ver, isso acontece com alguns livros também, apenas me canso por ficar ansioso pelo final, então o abandono.

Pego da estante dela uma HQ com os gráficos em preto e branco que parece um pouco de terror, e tento ler. Os diálogos dos personagens começam a fazer sentido, quando de repente alguém bate na porta do quarto, me tirando um quase grito de susto, mas me seguro ao dar conta do que está acontecendo.

— Ai, meu deus, se esconda. — Levanta agitada.

— Pérola, por que sua porta está trancada? — A voz da mãe dela sai parecendo um dos monstros da HQ que imaginei, pois atravessa a porta de madeira facilmente e faz meu corpo arrepiar de medo.

Entro no primeiro lugar que encontro do quarto, na verdade, é o único que consigo me esconder, porque a cama é baixa demais para mim. O guarda-roupa de duas portas me sufoca com a quantidade de roupas batendo na minha cara, todas com o cheiro da Pérola, sinto que estou sendo abraçado por ela. Mesmo assim começo a soar frio, meu coração palpitando contra o peito. 

Odeio luares fechados. 

Fico quieto enquanto a mãe dela dá uma bronca por ela ainda estar acordada tão tarde da noite, depois seu foco é por ela trancar a porta, e por fim, por ter as roupas sujas no chão. Aperto uma mão contra o peito e outra na parede de madeira, simplesmente não consigo mais ficar aqui. Começo a contar até cinco, varias vezes, em ordem crescente e decrescente. Quando já estou ficando zonzo, a Pérola arreganha as portas e me espera sair. O assoalho do guarda-roupa afunda assim que dou o primeiro passo.

— O que foi isso?

— Acho que quebrei o chão...

— Minha mãe vai me matar, o guarda-roupa ainda nem completou dez anos.

Franzo o cenho e encaro o móvel.

Dez anos?

Isso é muito tempo. Por esse motivo, quebrou, o coitado já pedia para se aposentar.

Pérola sai para conferir o corredor, depois volta para me chamar. Desço com ela até a cozinha, a casa está toda escura e silenciosa já.

— Quem vai dar comida para o cachorro? — Pergunta.

— A Grace. Talvez.

— Talvez?

Ela pega uma panela no armário e olha para mim com uma expressão feia. Estamos cochichando para não arriscar acordar alguém da casa, então nossos diálogos me fazem sorrir um pouco, sinto que estou fazendo algo perigoso, é adrenalina demais para mim.

— Eu disse para ela dar comida as seis horas, porque talvez eu demoraria na rua. Mas, não tínhamos cachorro antes, então ela pode ter esquecido.

— Meu deus, Nic, se ele estiver com fome...

Nic.

Ela começou a me chamar assim ultimamente....

— É só uma noite, ele não vai morrer.

Observo ela colocar uma panela cheia de água no fogo.

— Nossa, sai fogo. — Comento, entusiasmado em me aproximar. — Não é perigoso?

— Não. Todo mundo normalmente tem fogão que sai fogo.

Encaro a chama azul por um tempo e depois me aprumo, Pérola está me olhando com descrença, como se eu fosse um bicho estranho.

Absolutely nothingOnde histórias criam vida. Descubra agora