24 - EM ALTA VELOCIDADE

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POV. NICOLAS


— Ei — A Pérola me chama enquanto tira da mochila uma caixa marrom. — Já estava me esquecendo do seu presente.

Pego da sua mão, me sentindo surpreso, então levanto os olhos e encontro os dela. Vejo que está um pouco envergonhada, mas não deixa de retribuir o olhar.

— Obrigado. — É uma palavra sincera, do fundo do meu coração.

— As coisas andam um pouco apertadas, então eu mesma fiz seu presente.

— Você fez? — Sorrio. Isso é surpreendente. Ela tirou um tempo para construir o meu presente com as próprias mãos.

Abro a tampa de papelão com um pequeno lacinho colado; dentro está uma pulseira feita de miçangas, conforme as cores da protagonista de "Procurando Dory", também com diversos pingentes. O primeiro é literalmente a pequena Dory deformada; ela tem os olhos um pouco escorridos e a pintura borrada. O outro pingente é uma estrela cor-de-rosa, e o último, a letra N.

— Não acredito... — Olho diretamente nos olhos da Pérola, não conseguindo disfarçar o sorriso rasgando meu rosto. — Obrigado.

— Deixa eu ver? — Gih grita do outro lado da mesa.

Entrego para a minha irmã a caixinha sem parar de olhar a menina ao meu lado. Assim que o presente está seguro, envolvo a Pérola em um abraço. Ela fica sem reação, surpresa com o gesto, e demora para retribuir, mas logo solta uma risadinha anasalada no meu pescoço e dá tapinhas nas minhas costas.

— Parece que você realmente gostou — cochicha.

— Claro, é uma pulseira personalizada. Quando é que ganharei outra dessa?

— Pois é, raridade. Cuida bem dela, gastei as minhas miçangas do estoque.

Pego de volta a minha pulseira das mãos da Gih e coloco em meu pulso com cuidado para não estourar de repente.

— Sério, obrigado mesmo. — Viro o pulso para exibir melhor o meu acessório novo. Custou menos de dez reais, com certeza. Comparando com a quantidade de dinheiro que acabei de receber dos meus pais, um pedido de desculpas depois que eles foram embora não significa muito como bem material, porém, significa bem mais para mim; representa um presente de verdade.

Claro que existem várias pessoas por aí que precisam e ficariam felizes com os números na minha conta agora, mas eu, Nicolas, trocaria esse dinheiro para apenas receber um:

"Desculpa, meu filho. Feliz aniversário, infelizmente tivemos que ir para casa."

Ao invés disso, foi:

"Transferimos o seu presente, vê se não gaste só com você."

Aí chego à conclusão de que sou o ser humano mais ingrato do mundo. Eu tive tudo: brinquedos, um quarto só meu, opções de escolher o que quisesse em uma loja inteira, comida diariamente a qualquer hora e pessoas me servindo, mas ainda assim, não sou grato por essas coisas, não me apego a elas. Inclusive, não teria o menor problema em perdê-las, diferente de muitos por aí, que devem pirar se me ouvirem dizer isso. Então, acho que essas coisas são dadas apenas a pessoas ingratas como eu, o que acho difícil de compreender o porquê.

— Você está muito para baixo. É porque não gosta de lagosta? — A Pérola pergunta após passar longos minutos me observando, achando que não reparei.

— Gosto, é que eu não estou com tanta fome.

Ela permanece me olhando, pensando em algo. Tenho medo desses pensamentos, de eles serem ruins e estarem me julgando por ser tão infantil enquanto o mundo não gira ao meu redor e problemas maiores acontecem. Mas de repente ela sorri, apruma-se na cadeira e deixa de ser corcunda. Eu adoro quando ela deixa arruma a postura dela, me deixa mais aliviado.

Absolutely nothingOnde histórias criam vida. Descubra agora