4. RESSACA AMOROSA

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SE TÁSSIA DISSESSE QUE ESTAVA EM PAZ COM SUA DECISÃO, SERIA MENTIRA. Na tarde do primeiro dia após o término, assim que chegou em casa correu para o quarto, caiu na cama e apagou. Quando acordou, já quase cinco da tarde, dona Selma perguntou se a filha estava doente. A garota revelou que havia terminado o namoro com Patrick, ao que a mãe logo questionou o quanto isso abalara Tássia.

"Não abalou nada. Foi uma decisão consciente, mamãe. Nunca estive mais certa disso.", e deu o assunto por encerrado.

Da mesma forma, quando Fernando lhe mandou mensagem à noite, ela negou qualquer impacto.

"Tem certeza mesmo?", ele perguntou.

"É óbvio, Fêfê. Patrick é página virada e agora eu só vou virar as páginas dos livros."

E foi atrelada a essa verdade que contava para si mesma que Tássia passou o primeiro final de semana longe de Patrick.

Há um certo tempo não ficava sozinha. Antes tinha a rotina da escola, mesmo com as aulas online. Era diferente, solitário devido ao lockdown imposto pelos primeiros meses tensos de pandemia. Entretanto, como ainda tinha os colegas e os pais criaram uma rotina de comunicação intensa, a solidão não foi sentida por ela. Depois, com a morte do pai de Patrick e o início do namoro, estava sempre conectada ao namorado. Acostumou-se a isso.

Agora, naquela ressaca pós-término, negou admitir que a palavra para definir o que sentia era de fato solidão. Chegou até mesmo a publicar em suas redes sociais textos gigantescos sobre o "prazer de se ver livre", a "beleza que é estudar sem empecilhos" e como "estudar é uma cura pra todas as dores". Sem contar o fato de ter conseguido se segurar para não stalkear os perfis de Patrick. Havia uma curiosidade para ver como ele estava depois de tudo. A cena dele no banco da praça (e sem um celular nas mãos!) ainda não havia saído das retinas da garota.

"A culpa não é minha. Para com isso!", pensou em uma noite de inédita insônia. "Ele me puxava pro fundo do poço. Eu precisava me salvar."

Apesar disso, uma vozinha no fundo da cabeça não a deixava em paz. Desde a escola, por mais que dissesse o contrário, observava muito dos seus colegas de turma e admirava a capacidade que tinham de conciliar namoros sérios com a rotina de estudos do terceiro ano do ensino médio.

Às vezes, antes da pandemia, nas raras oportunidades que se permitia largar os livros e ir ao supermercado, por exemplo, ficava em choque ao ver os casais de colegas em namoricos como se não tivessem prova ou simulado dali a poucos dias. Do mesmo modo, só faltava morrer quando alguém publicava uma foto nos parques da cidade ou na praia, com beijos apaixonados que, na cabeça de Tássia, não comungavam com a situação estudantil de estresse em que estavam.

Ah, quantas, quantas vezes!, não havia se perguntado se ela não era a errada da sociedade? Será que o fato de ter escolhido o estudo ao invés do namoro fazia uma pessoa assim tão esquisita? A sociedade exige coisas demais - estudo, casamento, filhos, sucesso, dinheiro, muitos amigos, casa própria, sorrisos – mas dá muito pouca ajuda...

Virou-se na cama e afofou o travesseiro para ver se conseguiria dormir. A mente não parava quieta. Como se esqueceria de alguns colegas que, enquanto o mundo estudantil desabava na cabeça de todos, exibiam anéis de compromisso como alguém que exibe uma nota mil na redação do ENEM? E uma menina do primeiro ano que chocou alunos e professores da escola ao surgir num belo dia de prova com uma tatuagem com o nome do namoradinho? As pessoas não tinham mais foco? Não se preocupavam com o futuro, com a situação do país, em como iriam viver dali a alguns anos e...

Amor em Tempos de ENEMOnde histórias criam vida. Descubra agora