24. FUTUROS INCERTOS

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O SILÊNCIO SE ABATEU ENTRE OS DOIS APÓS AQUELA CONVERSA MÓRBIDA. Breno voltou do banheiro com os olhos meio vermelhos, o que fez Tássia morder a língua e enfiar a cara nos livros. Pelo menos, cumpriu o objetivo daquela manhã de sábado: estudar. E ficou surpresa por simplesmente conseguir.

Percebeu que, ao invés de atrapalhar sua concentração, a presença de Breno lhe dava algum conforto; uma segurança de que não precisava manter um diálogo para se sentir confortável. Quando estava com Patrick, mesmo em lugares que não exigiam concentração, como um cinema ou a praça de alimentação do shopping, ela se sentia angustiada, impelida a manter algum diálogo com o ex-namorado.

Com Patrick, o silêncio era algo papável, incômodo e revelador de inverdades que agora ela conhecia. Por sua vez, Breno emanava tal transparência que o silêncio era apenas isso: silêncio.

Ela sorriu.

— O que foi agora? — Ele ergueu o olhar de um livro do Fernando Veríssimo que lia. O sono parecia ter passado, junto com a intensidade da chuva.

— Nada. Só tô pensando umas coisas.

— Pensar muito enlouquece.

— Não, não enlouquece nada. Se enlouquecesse, tu estaria em um hospício depois de ter feito o ENEM e tirado uma nota excelente. E não vem me dizer que tu não pensou muito pra fazer aquela prova.

— É. Tem razão — fechou o livro e massageou o pescoço. — Mas eu acordei pra vida antes de ficar doido.

— Foi por isso que tu desistiu?

A velha pergunta. Breno olhou para a colega e estreitou os olhos. Seja lá a qual conclusão tivesse chegado, relaxou.

— Foi. Depois de tantas mudanças na minha vida, a morte da Élida, o sumiço do Hélio e tudo o mais, eu percebi que não fazia mais sentido continuar aqui.

— Aqui em São Luís?

— Sim. A morte dela... — pegou uma caneta e brincou com o objeto, pensativo. — A morte dela me fez acordar. A gente planeja muito, sabe? Eu e ela fizemos isso. Mesmo com o câncer e as perspectivas ruins, a gente conversava muito sofre o futuro. Casar, onde morar, essas coisas. — Ele bateu com a caneta na mesa. — Mas é bom ter um espaço para respirar; largar da paranoia de ter uma vida perfeita no futuro. Ninguém tem.

— Mas tu chegou a escolher um curso?

— Cheguei. A Élida morreu pouco depois de sair o resultado final. Nós dois queríamos fazer Biologia.

— Ela... Ela chegou a fazer a prova?

— Não. Estava bem mal naquela época. Mas ainda havia aquela esperança, entende? Eu, o Hélio, os pais deles, enfim, todo mundo falava aquela frase manjada de "Ah, tudo bem, ano que vem tu está melhor e faz a prova" e tal — ergueu os ombros. — O "ano que vem" não chegou pra ela.

— E pra ti?

— Chegou e veio diferente. Depois que ela morreu, não fazia mais sentido eu ficar aqui na cidade. Mas eu não tenho mais nada, nem ninguém, que me prenda aqui.

— E teus pais?

— Moram no interior. Eu não tenho família aqui. Ninguém. Eu disse.

Se as informações truncadas eram iscas para ver se ela mordia, funcionou.

— E tu mora com quem?

Amor em Tempos de ENEMOnde histórias criam vida. Descubra agora