7. A TEMPESTADE

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DIANTE DA PROXIMIDADE DO ENEM, TÁSSIA PENSAVA QUE OS ESTUDOS FORÇARIAM SUA ATENÇÃO A SE CONCENTRAR NA PROVA. De fato, chegou mesmo a pensar que esse seria um processo quase automático, instintivo; que todos os problemas que estivessem pela frente notariam as prioridades de sua dona e sairiam de fininho, empáticos com a situação da garota. Por alguns dias, foi assim. Poucos dias. Após aquela conversa sobre as mudanças que o término do namoro promoveram em Patrick, Tássia manteve seus pensamentos longe dessa questão. Contudo, quando pensava que tinha superado a "prova de fogo", o inevitável aconteceu.

Aquela sexta-feira amanheceu chuvosa, prenúncio de um dia pesado. Dona Selma até pensou que a filha não fosse para o cursinho. São Luís, para acompanhar suas cidades-irmãs nas consequências de um desenvolvimento urbano sem planejamento algum, era o tipo de capital que alaga com um chuvisco. E um alagamento em qualquer avenida da capital significava trânsito paralisado, semáforos desregulados, estresse entre os motoristas, guardas tentando organizar o inferno e, claro, atrasos. Muitos atrasos. Por isso, quando se preparava para guardar a xícara da filha de volta no armário, quase deixou a louça despencar de suas mãos ao dar de cara com Tássia já com a mochila nas costas e uma banana nas mãos.

— Quer me matar de susto, menina? — recuperou o fôlego e olhou a garota de cima a baixo. — Pra onde tu pensa que vai debaixo desse toró?

— Pra onde eu vou todo santo dia, ora!

— Tássia, o céu tá despencando.

A filha terminou de engolir um pedaço da banana antes de responder.

— Pois que despenque. Paciência. Eu estudo por cima dos escombros.

— Deixa de falar besteira! Vai pegar chuva, ficar doente e aí? Como fica?

— Mamãe, para de exagero. O papai disse que vai me levar, tá legal? Satisfeita?

Quando Selma abriu a boca, um trovão daqueles apocalípticos caiu, as luzes piscaram e as duas se encolheram. A mãe olhou para a filha, sobrancelhas erguidas, jeito zangado. Tássia ajeitou a postura, fingiu costume e pegou uma torrada. Se tivesse parado por um segundo e escutado os avisos do céu, talvez a sucessão de eventos em sua vida teriam sido muito diferentes. Porém, o destino tem uma maneira própria de impor as coisas, nem que para isso precise dar uma volta gigantesca a fim de chegar aonde queria.

E foi ao pegar uma série de atalhos para fugir das áreas alagadas e da paralisia do trânsito que Abel se atrasou mais do que se tivesse ficado no engarrafamento. Quase duas horas depois do esperado, já nas proximidades do Geração, Tássia tentou de novo enviar mensagem para Fernando, Hilton e Raquel, sem sucesso. O grupo de alunos da sala estava tão silencioso quanto o pai, furioso ao volante. São Luís também era dada a ter uma internet com medo de água: era ameaçar chuva para ela sair correndo.

Sem saber o que acontecia, chegaram à porta do cursinho. Foi só o tempo de o carro parar. Seu Abel, que já imaginava a luta que seria chegar ao trabalho, apressou a filha, deu-lhe a benção, desejou-lhe "boa sorte" e cantou pneu. A garota correu em direção ao portão, o corpo já encharcado pelo aguaceiro. Empurrou, empurrou e não acreditou: estava trancado.

"Ah, não!".

Deu pulinhos de um lado para o outro como se isso fosse impedir que ficasse ainda mais molhada. O toldo sob a entrada era a mesma coisa que nada, ainda mais com a ventania. O carro do pai já havia sumido de vista enquanto os demais veículos passavam com passageiros curiosos diante da cena daquela maluca debaixo da tempestade. Feito uma presidiária, Tássia se abraçou às grades e colocou a cabeça por entre os ferros.

Amor em Tempos de ENEMOnde histórias criam vida. Descubra agora