— Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades muitos anos de vida!
Geralmente nos filmes existe um salto no tempo, principalmente quando a protagonista se vê perdida entre seu futuro e o par romântico, como se o fato de escrever alguns meses depois ou até anos justificasse qualquer rotina ou emoções no tempo resumido.
Continuei a bater palmas olhando para o bolo com duas velas assustadoras com minha nova idade, quarenta e três. É real, sou uma quarentona e completo também três anos de retorno a Leotie.
E não, eu não estou com Emanuel como muitos imaginaram ou torceram com direito a colocar meu querido Santo Antônio dentro da cisterna. Eu jamais imaginei que o senhor Guilherme estivesse tão desesperado em me ver com outra aliança reluzente no anelar esquerdo.
Eu poderia facilmente comprar um anel em uma joalheria em um dos passeios levando meu trio adolescente ao shopping. Mas, isso não apagaria o som de minhas passadas palavras, tampouco regressaria ao ponto exato da tormenta.
Depois da discussão com Emanuel nós reduzimos ainda mais a presença e convivência, se não fosse a amizade entre Amanda e Lara provavelmente nem nos veríamos em Leotie, pois com o passar do tempo me vi novamente repleta de compromissos na clínica; o retorno a rotina que vivenciei ainda em Juiz de Fora, menos tempo para cutucar cicatrizes.
— Você está muito pensativa, caçadora — sorri para meu pai, dando espaço em nosso sofá de balanço na varanda.
Era de madrugada e novamente estava com insônia, que poderia ser esquecida com os medicamentos guardados em minha bolsa. Só que eu lutava contra essa dependência, era só um comprimido, dose mínima, mas que trazia lembranças do meu primeiro ano como viúva.
— Lembra quando encontrei aquela égua presa na cerca de arame farpado?
Guilherme assentiu, cruzando as mãos. Com certeza não era um assunto relevante.
— Eu fiquei tão apavorada com aquele relincho de dor, sabia que ela precisava de ajuda. Levou um tempo até o resgate, e para mim pareceu tanto tempo, pai, que quando mamãe chegou e buscou ser rápida em suas ações eu só perguntava: ela vai sobreviver? E a mamãe respondida que ainda era incerto.
Meu pai continuou em silêncio. Ele sabia que era apenas uma comparação obscura.
— Só depois eu notei minhas mãos machucadas pelo arame, mas aquele som agonizante me lembrou de quando Igor morreu.
— Carolina.
Eu balancei a cabeça para Guilherme:
— Dona Bianca até que demorou descobrir que não durmo no meu antigo quarto de solteira.
— A gente sabe que você tem muita coisa guardada.
Ainda tinha medo de encarar o espelho e descobrir essa estranha Carolina.
— Eu acho que sou mesquinha nesse ponto, poderia ter vivido de muitas maneiras e não escondida em sombras.
— Penso que você é uma grande mulher, filha — Guilherme argumentou, segurando minha mão — Jamais me imaginei sem sua mãe. Você não precisa de outro casamento.
— Bem... Obrigada por ter expandido meu novo quarto — rimos — Consegue imaginar que logo farei cinquenta anos?
— Ainda falta sete anos.
Deitei minha cabeça em seu ombro:
— Sinto saudades de quando tinha a metade, Yasmin e eu só pegávamos a caminhonete a noite e corríamos para alguma festa na região.

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Em Um Som
RomansaCarolina Moura Souza assoprou sua vela de quarenta e cinco anos. Ela detestava envelhecer, detestava ser descrita como a filha mais velha e serena, principalmente quando sentia dentro de si um vulcão escondido. E esse era o problema; a mata ao red...