Capítulo Vinte e Cinco

1.3K 133 21
                                    

Kate fitou sua filha brincando com outras crianças da janela da sala do dormitório comum, sua inocência intocada, a consolando. Hoje completava duas semanas desde que deixou para trás o clã de Beur com seu irmão, Luca, e sua filha Aiden. Não iria mentir e dizer que a transição estava sendo fácil. Sentia falta de seus pais, do lugar que cresceu, mas sabia que ambos não existiam mais. 

Beur os destruiu.

Deveria sentir-se aliviada por sair daquele lugar. Feliz até. Mas apenas sentia um grande vazio dentro de si. Algo nela havia mudado quando o clã de Beur caiu. Deveria se sentir livre, mas algo estava faltando. Ela sabia o que era, mas se recusava a aceitar ou mesmo pensar na possibilidade da suspeita ser real. Não queria admitir o quão quebrada estava. Não queria mais ser fraca. Ela havia conseguido, sobreviveu, seu irmão, sua filha estava com ela.

Mas ela estava?

Ainda sentia a dor, a tristeza, o desalento dos dias, semanas, meses, anos que viveu naquele lugar. Sentia em cada centímetro do corpo. Sentia-se suja. Sua filha ria, enquanto uma das fêmeas do clã de Roan e Charlie, a empurrava no balanço. As fêmeas se revezavam nos cuidados dos filhotes. Era um bom sistema. Todos ali se ajudavam. Ela deu uma última olhada na filha, antes de decidir subir para seu quarto e tomar outro banho.

Se virou em direção às escadas, quando seus pelos se arrepiaram. Parada na porta estava o homem que cada vez mais invadia seus pensamentos, acima de todos os outros horríveis que ela tinha.

–Oi.--ele a cumprimentou.--Você parece melhor.

Como um shifter, Kate se recuperava rápido de ferimentos, e por um tempo ela desejou que fosse diferente, que doesse por mais tempo, que a deixassem descansar por mais tempo.

–Aqui é o dormitório das fêmeas.--ela o lembrou.

–Tenho permissão de Hanna.--ele informou. Hanna era a líder das mulheres e irmã de sangue de Roan, o alpha. Kate se recordou.--Estão tratando você e Aiden bem?

–São perfeitos com Aiden.--ela lhe respondeu. Ele franziu com sua resposta incompleta.--Ela ama esse lugar. O espaço, as árvores.--ela completou.

–E você?

–Eu?

–Sim.

–Não entendo por que importa.

–Importa.

–Não.--negou, o interrompendo. Não queria conversar. Queria se livrar da sujeira que estava sobre sua alma.--Eu estava indo para o quarto, deseja mais alguma coisa?

–Kate...–ele deu um passo em sua direção, mas foi interrompido pela risada e passos apressados que passaram por ele. Ela mal notou a cabeça vermelha de sua filha antes que fosse envolvida por seus braços em volta de suas pernas.

—Mamãe.--ela exclamou.--Tia Geeny vai nos levar para tomar sorvete, posso ir?

Ela engoliu o pânico súbito que teve ao imaginar Aiden longe da casa, da floresta do clã e dos seus olhos.

–Está ficando tarde.--falou.

–Mas mamãe...–viu seu lábio tremer e quis lhe dizer que sim, que ela podia tomar todo o sorvete que desejasse, mas o medo engrossou em sua garganta.

Uma sombra se abaixou, ficando na altura de Aiden. O cheiro de couro e terra fez cócegas em seu nariz.

–Está ficando tarde, e Geeny provavelmente vai deixar para outro dia.--Stone falou, olhando para sua filha. Ela o fitava com fascínio e sem qualquer medo de sua proximidade. Desde que ela o viu, tinha sido assim.--Mas posso ir na cidade e trazer o sabor que gosta.

–Eu não sei qual eu gosto.--ela disse como se fosse um segredo.

–Então trarei todos.

–Você não pode trazer todos!--ela riu.--Onde vamos colocar?

–Na sua barriga oras.--ele piscou. Aiden riu e o abraçou. Stone pareceu surpreso, mas imediatamente retribuiu o afeto repentino dado por ela. Sua filha então o soltou e correu de volta para fora. O coração de Kate pareceu querer voltar à vida com o gesto que presenciou, mas o vazio o parou. Stone a olhou por sob os cílios antes de levantar.--Vou na cidade pegar o sorvete, qual sabor quer que eu traga?

–Não precisa fazer isso, Stone.--ela disse.

–Já estava indo para lá de qualquer maneira.--ele deu de ombros.--Charlie irá se mudar para cá e Roan nos quer carregando caixas.

–Oh, não sabia.

–Isso porque se recusou a vê-la.

–Não me recusei.

–Você fica inventando desculpas.

–E como raios isso é da sua conta?--ela disparou e se encolheu imediatamente. Para seu horror, ele não perdeu sua reação. Viu sua mandíbula enrijecer e seus olhos ficarem com aparência de lobo. Ela balançou a cabeça e passou correndo por ele, subindo as escadas sem olhar para trás. Não podia olhar. Não queria ver em seus olhos o que ela havia se tornado.

Stone fervia de raiva mal reprimida pela primeira vez em sua vida. Viu diante de seus olhos a ruiva se encolhendo, malditamente se encolhendo, como se ele estivesse prestes a batê-la. Seu estômago se revoltou com a ideia dela achar, esperar, que isso fosse acontecer.

Ela não o reconhecia. Tinha certeza disso.

Sua loba continuava silenciosa. Enquanto o dele rugiu para ela.

Como aquilo era possível?

Lá fora a risada de Aiden o despertou, tirando seu choque e o fazendo se mover. Ele foi até Geeny, sugerindo um adiamento na ida ao sorvete e prometendo abastecer o dormitório com o produto. Ela não lhe questionou, afinal, ele era um sentinela. Se despedindo de Aiden e das demais crianças, se dirigiu para seu carro, com um sentimento agridoce e incompleto. Seu lobo arranhando sua mente e lhe enlouquecendo.

O que diabos iria fazer?

A história continua em... O CORAÇÃO DE KOR!

O Tempo de RoanOnde histórias criam vida. Descubra agora