O fim de semana passou tranquilo. Aproveitei a folga, já que na semana seguinte começariam as provas. Reservei a segunda e a terça para revisar as matérias mais difíceis. Decidi mudar minha forma de estudar. No ano passado, deixava para fazer tudo na véspera da prova e ficava completamente louca. Por mais que ainda sobre alguma coisa para estudar no fim de semana,vai ser mais fácil. Pelo menos espero.
Quarta-feira, aula da professora Aline. Ela é uma das melhores professoras do colégio, mas naquele dia não deu para prestar muita atenção na aula.
Primeiro porque lançaram a candidatura à presidência do grêmio, e a Aninha estava eufórica.Parecia até que tinha formiga na cadeira dela, que não parava quieta um segundo. Ela queria se candidatar e só falava nisso!
O outro motivo é que a Janaína apareceu com o cabelo vermelho. Ela tem o cabelo bem curtinho e todo desfiado. Vamos combinar que essa cor é muito bonita, mas não para todo mundo. Ainda mais quando se tem 14 anos. Tudo bem, nada contra, vamos deixar o preconceito de lado. Mas na Janaína ficou muito estranho. Mesmo.
Eu estava com a mão coçando. Já que não podia tocar no assunto durante a aula, e não ia aguentar esperar até a hora do intervalo, comecei o "correio da fofoca". Arranquei uma folha do caderno e cada uma das MAIS escrevia embaixo do comentário da outra.
Mari:Gente,a Janaína está parecendo uma cabeça de fósforo com esse cabelo,hein?
Ingrid:Ai, Mari! Tadinha!
Aninha:Ingrid sempre defendendo o povo!
Susana:Eu tomei um susto quando ela entrou na sala.
Mari: Como os Pais deixaram que ela saísse de casa desse jeito?
Ingrid:Eu achei que ficou legal,diferente
Aninha:Eu achei Horrível!
Susana: Ela está parecendo um picolé de goiaba.
Comecei a rir histericamente. Não conseguia me controlar. De onde a Susana tirou uma ideia dessas? Baixei a cabeça para disfarçar, mas eu ria tanto que comecei a chorar.
- Mari, está tudo bem aí?
Levei um susto tão grande com a voz da professora que engoli o riso numa fração de segundo e fiz a maior cara de santa.
- Sim, professora, tudo na mais perfeita tranquilidade.
- Vamos parar com essa conversinha paralela, hein, meninas?
- Conversinha? Não, professora, estamos mudinhas da silva.
Escondi o papel no meio do caderno. Respirei fundo até o acesso de riso parar e retomei o assunto.
Mari: Susana quer me matar de rir?
Susana: Eu?Você é que tem o riso frouxo!
Ingrid: Meninas,parem com isso! A professora já está de olho.
Aninha: Larga de ser medrosa,Ingrid!
Mari: Ela está parecendo um panda vermelho.
Susana: Panda Vermelho?? Isso existe??
Ingrid: Hahahahahahahaha!
Aninha: Com aquele tamanho de nariz,está mais para papagaio.
Mari: Papagaio? só vi verde até hoje.
Susana: Tem com cabeça vermelha sim.Nunca foi ao Zoológico,não? Aff!
Ingrid: Ai,Tá bom,eu me rendo! Parece a carapuça do saci-pererê.
Aninha: Ahhhhhhhhhh! Saci-pererê!
Outro acesso de riso. Dessa vez realmente não consegui me controlar. Imaginei a Janaína de cachimbo na boca, pulando numa perna só. A professora olhou justamente quando eu estava com o papel na mão, lendo o "correio da fofoca".
- Mari, me dá esse papel. Agora!
- Papel... que papel?
- Esse aí na sua mão.
As meninas ficaram apavoradas. A Ingrid, tão baixinha, parecia ter ficado menor ainda. A Aninha começou a esfregar o nariz de nervoso, já temendo por sua candidatura ao grêmio, e a Susana cobriu o rosto com a mão. A professora atravessou a sala na minha direção. Trinta pares de olhos grudados em mim. Não teve jeito, era a única solução. GLUP!
Sim, eu comi o papel, com a tinta com cheiro de fruta da Aninha e tudo. Engoli o papel a seco,meus olhos chegaram até a lacrimejar. A sala toda começou a rir da minha cara - coisa normal,diga-se de passagem. O Lucas riu tanto que teve um ataque de tosse. Até mesmo a professora Aline, que não esperava por aquela reação, riu tanto que embaçou os óculos. Passados uns cinco minutos e quando todos se acalmaram, pensei que ela fosse me mandar direto para a coordenação. Já estava até vendo a cara do meu pai vindo me buscar todo enfezado, dizendo que isso não era modo de uma mocinha se comportar.
- Maria Rita, você sabe que merece uma advertência por ter tumultuado a minha aula, não sabe?
- Sei sim, professora. Peço desculpas - peguei a minha mochila e já ia me encaminhando para a sala da coordenadora.
- Aonde você pensa que vai?
- Ué... para a coordenação. Devo aguardar o inspetor?
- Olha, o certo era fazer isso mesmo. Mas semana que vem começam as primeiras provas bimestrais e, apesar de você merecer, não vou te mandar para a coordenação.
- Não? - perguntei com os olhos arregalados.
- Não. Você vai elaborar uma dissertação para a próxima aula com no mínimo quatro páginas. Vou avaliar gramática, concordância e estrutura. Você vai escrever sobre como uma alimentação saudável pode contribuir para a qualidade de vida. Vale lembrar que papel não faz parte do cardápio.
Risada geral.
- Mais alguém quer fazer o trabalho? - a Aline perguntou, olhando para todo mundo.
Silêncio geral.
O sinal tocou, avisando que era hora do intervalo. Ai, que lástima! A próxima aula era na sexta-feira, ou seja, eu tinha apenas dois dias para escrever a redação. Mas era melhor que levar advertência.
Na cantina, o engraçadinho do Douglas me entregou um sachê de maionese.
- O que é isso, Douglas?
- É para o papel descer melhor da próxima vez.
Eu mereço!
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As Mais - Patrícia Barboza
RomansMAIS é a sigla da amizade, formada pela inicial do nome das amigas Mari, Aninha, Ingrid e Susana. As MAIS são alunas do Centro Educacional Machado, no Rio de Janeiro, e são inseparáveis. Tanto que resolveram escrever um livro juntas, relatando suas...