19-Jéssica bancando o Cupido?

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Definitivamente, a Jéssica não é como as outras meninas de 6 anos. Ou quase 7. Ela vai fazer aniversário e está empolgadíssima. É muito esperta e engraçada. Adora conversar como adulta,e precisa ver como ela se mete nos assuntos das MAIS quando as meninas vêm aqui em casa. Sempre tem uma opinião a dar. Até conselho sobre o namoro da Mari e do Lucas ela já deu. Ela também estuda no CEM, só que à tarde. Minha mãe geralmente vai buscá-la quando volta do trabalho. E, quando a Jéssica chega, conta mil novidades sobre os coleguinhas de turma, os deveres de casa e as atividades que fez.

Só que por essa eu não esperava.

- Ingrid! Ingrid, cadê você? - ela entrou gritando que nem uma desesperada.

- Tô aqui no quarto, Jéssica!

- Ah, você está aí! - ela já entrou pulando na minha cama e colocando meu sutiã na cabeça.

- Para de fazer isso, garota! Toda vez é a mesma coisa! Depois perco um tempão ajeitando as alças, pois você deixa tudo desregulado.

- É tão legal! Quando eu vou ter um só pra mim?

- Você já quer usar sutiã? Olha, acredita em mim. Quando você tiver que usar, vai reclamar.Mas me conta, por que entrou tão desesperada?

- Eu conheci o seu príncipe encantado! - ela falou rodopiando pelo quarto.

- Como assim, Jéssica?

- Você não vive assistindo esses filmes de amorzinho? Chora, suspira e agarra a almofada? - a danadinha me imitou, agarrando o meu travesseiro.

- Ah, é? Foi alguém vestido de príncipe hoje no CEM?

- Ai, Ingrid, você não entendeu nada.

- Então explica, oras.

- Foi assim... Sabe o Caio, da minha classe?

- Eu não conheço seus amiguinhos, Jéssica.

- O Caio é um garoto lá da minha classe, chatiiinho! Hoje eu vi o irmão dele, que foi buscar o Caio. A mamãe demorou pra me buscar, aí eu vi quando o Júnior foi buscar o Caio.

- Júnior? Já está íntima dele, é? - caí na risada.

- Eu estava sentada no banco perto da saída, do lado do Caio. O irmão dele apareceu no portão e o Caio gritou o nome dele. O Júnior entrou, o cadarço do tênis dele estava desamarrado e ele sentou no banco para amarrar. Ele riu pra mim e eu ri pra ele também. Aí eu vi que ele parece um desses caras que você vive suspirando quando vê nos filmes.

- É mesmo, Jéssica? Mas se você disse que o Caio é chatiiinho, o irmão dele deve ser também.

- Eu acho que não. Ele disse que eu sou linda.

- Hummm... se ele te achou linda, então ele é legal? - Claro, né? Legal e inteligente. Ah! - ela gritou toda animada. - Ele tem 14 anos também.

- Ué, como você sabe?

- Porque eu perguntei, oras.

- Mas, Jéssica! Você fica perguntando a idade dos outros na rua, é?

- Dos outros não. Só do Júnior. E ele não estava na rua, estava no colégio. Viu? Não disse que ele é seu príncipe? É do jeito que você gosta e tem a sua idade.

- Garota, você não é fácil! - me joguei em cima dela, fazendo um monte de cosquinha na barriga. - Vai logo tomar banho antes que a mamãe venha te buscar pela orelha. Você está imunda! Fica rolando pelo chão, é? Nunca vi uma coisa dessas.

Ela saiu correndo do quarto e eu, claro, fiquei rindo.


Júnior. Príncipe Júnior. Deve ser um garoto muito sem graça que anda com o tênis desamarrado. Para os olhinhos de 6 anos da Jéssica, deve ser grande coisa. Vejo bem pelos garotos da turma. Alguns são tão desajeitados... Quando a gente está crescendo, é esquisito. A voz dos meninos muda, as espinhas aparecem. As meninas amadurecem mais cedo. Por que será que isso acontece?Parei de meditar sobre as questões biológicas do crescimento dos adolescentes e voltei a pensar naquilo que o Caíque me disse: as MAIS sempre na liderança. Eu lidero o quê? Não sou atleta, não sou atriz nem presidente de coisa alguma. Minhas notas estão sempre na média e, com toda sinceridade, não acho que me destaco de verdade em alguma coisa.

O computador estava ligado e procurei na internet uma definição para líder. Achei mais ou menos o seguinte: "O líder exerce influência em um grupo de pessoas, que geralmente fazem o que ele deseja. Mas essa influência não é exercida pela força ou pela intimidação. O grupo respeita o líder e o segue por vontade própria".

Acho que eu estava com uma cara estranha, pois minha mãe parou na porta do quarto e perguntou o que estava acontecendo. Contei toda aquela história de liderança. Ela se sentou na minha cama e começou a rir.

- Poxa, mãe! Eu aqui sofrendo, com a autoestima abalada, e você ri de mim? Muito obrigada!Você sabe que eu sempre tento ver o lado bom de tudo, mas isso realmente me fez pensar.

- Dona Ingrid, você precisa enxergar um pouco mais as coisas.

- Como assim, dona Maria Beatriz? - perguntei intrigada, imitando o jeito dela de falar.

- Você é uma líder. Como não consegue ver isso?

- Eu?

- Claro! Você é uma líder nata e ainda não percebeu.

- Líder nata? Estou realmente confusa com isso, mãe.

- Qual foi a definição que você achou? Ela não fala sobre o poder de influenciar as pessoas?

- Fala.

- E não é o que você faz o tempo todo?

- Eu faço isso?

- Quer exemplos? Quem é a primeira pessoa a falar algo positivo para as amigas quando elas estão com problemas? Você. Quem é que vive sorrindo, afirmando que as pessoas devem ver o lado bom de tudo? Você. Quem foi a mentora da campanha do leite do CEM, ajudando dezenas de crianças? Você. Comecei a sentir uma falta de ar tremenda. Meus olhos se encheram de lágrimas. E ela continuou:

- Minha filha, o que eu quero que você entenda é que todos nós podemos ser líderes, pois sempre influenciamos as pessoas à nossa volta. Alguns líderes se destacam mais do que os outros,muitas vezes por causa de algumas atividades que realizam. Suas amigas estão expostas à opinião pública, pois exercem atividades que são compartilhadas com muitas pessoas: grêmio, teatro e

competição esportiva. Você, do seu jeito, influencia seus amigos, conhecidos e sua família. Não vê como a Jéssica adora te imitar? Ou você não enxerga isso como uma influência? O líder pode ser definido também como aquela pessoa que faz as outras sonharem juntas e ajuda a transformar esses sonhos em realidade. E você escolheu ser uma influência do bem. Tenho muito orgulho de você, minha filha. Minha líder adorada!


Preciso dizer que caí no choro? Adoro a minha mãe. Adoro o jeito como ela me faz enxergar as coisas. Ela está sempre envolvida em tantas tarefas: trabalhar, cuidar da casa, cuidar da Jéssica, dar atenção ao marido, e ainda encontra tempo para ter essas conversas comigo. Ela sim é a minha líder.





As Mais - Patrícia BarbozaOnde histórias criam vida. Descubra agora