23-A revelação

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Para variar só um pouquinho, cruzei os portões do CEM com vontade de fazer xixi, de tanto medo que estava de encontrar o Caíque. Não sabia a reação que teria ao encontrá-lo.

Quando o sinal tocou, entramos na sala e nos sentamos. Ele chegou logo em seguida, passou pela fileira de cadeiras, como faz todos os dias, e parou diante de mim.

- Oi - sorriu.

- Oi, Caíque - tentei agir com a maior naturalidade possível.

- Precisamos conversar... - ele disse e colocou a mão no meu braço.

- Acho que sim.

- A Eulália está entrando, a gente se fala depois.

O burburinho cessou por alguns instantes para a coordenadora falar.

- Pessoal, o professor Gustavo ligou dizendo que teve um problema com o carro e não vai conseguir chegar a tempo. Portanto, vocês terão esse horário vago. Como sei que não conseguem ficar de boquinha fechada, imagino que daqui a pouco vão colocar essa sala abaixo. E ainda vão atrapalhar as aulas das outras turmas. Então podem seguir para o pátio. Sem barulho, ouviram bem?

Antes que eu pudesse pensar no que fazer naquele tempo vago, o Caíque falou que aquela seria uma ótima oportunidade para conversarmos. Fiz que sim com a cabeça e seguimos para o pátio. As MAIS olharam discretamente. Sentamos em um banco perto da cantina.

- Imagino que a sua irmã mostrou a nossa foto - ele riu como um garotinho que acabou de aprontar, esperando a bronca.

- Mostrou sim, senhor Júnior - não aguentei e tive que rir da cara que ele fez.

- Você ficou chateada comigo?

- Chateada não é bem a palavra, Caíque. Acho que fiquei surpresa. Só quero entender o motivo da brincadeira.

- Não foi brincadeira.

- Como não? Se nem Júnior de verdade você é?

- Na maioria das vezes, quem ia buscar o Caio na saída era a minha mãe. Ela mudou de emprego e, com o horário novo, ficou complicado buscar o meu irmão. Então comecei a me revezar com a empregada. Foi aí que eu conheci a Jéssica.

- Só não entendo por que você mentiu dizendo que seu nome era Júnior.

- Eu não menti. Você está certa, eu não sou Júnior de verdade. Mas sou a cara do meu pai! E lá em casa começaram a me chamar de Júnior de brincadeira, quando eu era pequeno. Só que aí pegou. Na rua, no CEM, meus amigos todos me chamam de Caíque. Mas em casa todo mundo só me chama de Júnior. Parece estranho, mas é verdade.

- Enganando uma menina de 7 anos. Que coisa feia!

- Ingrid, por favor, deixa eu explicar.

- Tudo bem, continua.

- Ela é uma menina muito esperta e divertida. Não fala como as meninas da idade dela, mas isso você já deve saber. Ela é muito sincera e começou a falar de você com tanto carinho. Acho que ela é a sua maior fã! O meu namoro com a Daniela foi muito maluco, e eu tinha jurado pra mim mesmo que não ia namorar outra garota tão cedo. Mas ela foi contando sobre você e fiquei

interessado em descobrir mais sobre a irmã da Jéssica. Foi só na terceira vez que entendi que era você. Preferi não falar nada. Não sei explicar por quê, só sei que eu gostei de saber mais sobre você.

- Gostou de saber? - a pergunta saiu sem querer, e senti que fiquei vermelha.

- Até onde eu sei, crianças não mentem. Tá, tudo bem, podem mentir sim, mas são mais sinceras que muito adulto. Eu quis saber quem você era de verdade. Passei a te observar mais e vi que tudo que a Jéssica falou era pra valer: que você era amiga, divertida e principalmente linda.

Dessa vez fiquei realmente corada. Meu coração batia tão forte que eu tinha medo que ele pulasse pela boca. Sem querer, comecei a olhar para os meus joelhos. Eles tremiam, tadinhos.

- Você ainda está com raiva da brincadeira?

- Não muita... - respondi rápido demais, quando deveria ter feito um suspense. - Está

passando.

- Ótimo! - ele sorriu e colocou aquela mãozona no meu braço. - Até porque a gente tem uma missão no fim de semana.

- Como assim?

- A Jéssica não te contou? Como castigo por não ter ido à festa de aniversário dela, vou ter que levar sua irmã e o Caio ao cinema no sábado.

- Sério? Que programão, hein? - fiz uma careta. - E qual vai ser o filme?

- Eu não lembro o nome. Mas se não me engano é sobre coelhos alienígenas.

- Coelhos alienígenas? Caramba! Esse filme deve ser uma porcaria - não consegui segurar o riso.

- E tem mais! Depois do filme, vai ter hambúrguer com batata frita.

- Você quer mesmo fazer esse programa em pleno sábado, Caíque? Bancar a babá de duas crianças?

- Quer que eu deixe uma garotinha de 7 anos completamente decepcionada? - ele simulou uma cara de contrariedade, colocando a mão no peito.

- Acho que não.

- Então, temos um encontro.

O horário vago passou como um relâmpago. Voltamos para a sala e eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Quando contei para as MAIS sobre o meu encontro duplo para o sábado, elas riram muito. Nem preciso falar que a Mari chorou de rir. Durante as aulas, as risadas paravam. Mas era só a Mari olhar para mim e começava tudo de novo. Na aula de geografia, ela não perdeu a piada. "Onde será que fica o planeta Coelhópolis?" Desenhou um brasão com o símbolo de uma cenoura com dentões.

 "Onde será que fica o planeta Coelhópolis?" Desenhou um brasão com o símbolo de uma cenoura com dentões

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- Ingrid! - ela sussurrou. - Fiquei com inveja de você. Acho que vou falar com o Lucas pra gente levar a Larissa, priminha dele. O que você acha?

- Maria Rita, vai pegar no pé de outra, vai.

A raiva já tinha passado. Eu estava até respirando melhor. Mas não culpo as meninas, a situação era mesmo engraçada. Será que, além de mim, mais alguém no planeta Terra (ou em Coelhópolis) teve o primeiro encontro com o garoto dos seus sonhos dessa maneira? Vou sugerir o roteiro para Hollywood.

As Mais - Patrícia BarbozaOnde histórias criam vida. Descubra agora