16-Nem tudo são flores

649 45 3
                                    

No dia seguinte, as MAIS vibraram com a notícia. Só tivemos duas aulas, e chamei as meninas para irem em casa.

– Eu sabia que isso ia acontecer, eu sabia, eu sabia! – a Ingrid deu vários pulinhos no meu quarto.

– Depois a maluca sou eu! Eu sempre disse isso e ninguém me deu atenção! – a Mari fez pose de incompreendida e caiu na gargalhada.

– Ah, finalmente! Não aguentava mais aquela cara de cachorrinho abandonado do Guiga pelos corredores do CEM – a Susana imitou um cãozinho.

– Nossa, foi lindo, meninas! Juro que a minha intenção era só tirar a limpo aquela história das doações, mas ele estava tão fofo ontem. Não resisti! E não tinha como continuar mentindo para mim mesma que não gostava mais dele.

– Agora você vai ter que se desdobrar, hein, amiga? – a Susana se esparramou nas minhas almofadas. – É grêmio, namoro... Não vai esquecer da gente, né?

– Claro que não, dona Susana! – joguei uma almofada nela. – Ainda mais agora, com a encenação de Romeu e Julieta e o ciclo de palestras sobre profissões.

– E pensar que eu e o Lucas vamos ser Romeu e Julieta! Incrível, nunca pensei que eu tivesse essa veia artística – a Mari fez pose na frente do espelho. – Primeiro, os palcos do CEM. Depois,os palcos da Broadway ! Aproveitem para pegar meu autógrafo enquanto estou aqui, pertinho de vocês. Depois minha agenda vai estar cheia e vai ser mais difícil.

– Ih, pronto! – a Ingrid debochou. – O sucesso, que ainda nem chegou, já subiu à cabeça.

Demos uma surra de almofadas na Mari. Ela não sabia se gritava ou se ria. Depois, exaustas,caímos cada uma para um lado.

– Tá bom, meninas, vocês venceram – a Mari falou ofegante. – Prometo que falo o nome de vocês quando eu receber o meu primeiro Oscar.

Nova surra.

Rimos e conversamos mais um pouco, e depois as meninas foram embora. Fiquei deitada na cama, olhando para o teto. Parecia que de repente ele tinha se transformado em uma tela e comecei a rever os últimos acontecimentos.

O professor Alfredo, de artes cênicas, começou a fazer os testes para a peça de teatro e não acreditamos quando a Mari e o Lucas resolveram se inscrever para os papéis principais. A Mari,mais despachada, a gente até conseguia entender, mas o Lucas? Foi uma surpresa e tanto! Eles foram aprovados no teste, e eu não perco um único ensaio. Está ficando demais! A Ingrid até quis se inscrever para fazer a Julieta, mas na hora do teste deu aquela típica vontade de fazer xixi de quando ela fica nervosa.

Como o Rogério tinha perdido a eleição para mim por pouco mais de dez votos, achei legal aproveitar a ideia dele de realizar as palestras sobre profissões. Ele ficou superanimado e me ajudou a organizar. O primeiro que convidamos foi o pai da Mari, que é formado em letras,faculdade que com certeza vou querer cursar. Já que incentivo tanto a biblioteca do CEM, tinha que levar alguém que trabalha para editoras e mostrar um pouquinho dos bastidores da produção dos livros. O pessoal adorou a palestra, e a Mari ficou toda orgulhosa do pai. Agora vão valorizar mais quando tiverem um livro em mãos. Até que ele chegue às livrarias, dá um trabalhão danado, ninguém tinha se dado conta.

A segunda palestra foi a do irmão do Rogério, para falar sobre a profissão de ator. Ele faz um papel na novela das seis, e foi difícil conter o entusiasmo das garotas. De um lado, elas estavam empolgadíssimas, davam mil gritinhos, e os flashes das máquinas não paravam. Fizeram até fila para tirar foto com ele. Do outro, os garotos estavam morrendo de ciúme. Alguns até falavam que ele nem era tão bonito assim. Inveja? Que é isso, imagina...

Fizemos uma votação no blog do grêmio para descobrir que palestras o pessoal estava a fim de assistir, e já tínhamos mais seis agendadas até o fim do ano. Até a mãe da Susana, que é superocupada com a farmácia, topou falar com os alunos.

Tudo parecia fantástico, não? Os projetos do grêmio dando certo, a volta do namoro com o Guiga... Mas nem tudo foram flores nos últimos dias.

Eu estava no banheiro quando ouvi vozes. Reconheci que uma delas era da Amanda.

– Que garota insuportável! – ela gritava.

– Shhhhh. Amanda, fala baixo!

– Tá difícil controlar o meu tom de voz, Natália. Eu tenho vontade de matar aquela garota exibida. Quem ela pensa que é, a dona do colégio? Aquela loira aguada. Tomara que o ano passe voando para ter outra votação do grêmio e alguém tirar o posto daquela nojentinha.

– Você está assim porque ela e o Guiga voltaram.

Ficou mais do que óbvio que elas estavam falando de mim. Resolvi ficar no banheiro. Subi no vaso sanitário para que elas não vissem meus pés. Fiquei boquiaberta ao escutar mais daquela conversa.

– Não é nada disso, Natália! – a Amanda falou furiosa.

– É isso sim, Amanda. Esquece esse garoto! Tem um montão aí fora, mas você cismou com ele.

– Eu estava quase chegando lá quando aquela loira ridícula e metida a intelectual se enfiou no meu caminho. Ah, mas isso não vai ficar assim, você vai ver. Eu vou aprontar uma pra ela.

– O que você pretende fazer, Amanda? – a Natália perguntou em tom de preocupação.

Prendi a respiração e tentei não mexer um músculo sequer. Torci para o meu estômago não roncar, pois eu estava morrendo de fome. Ouvi o plano sórdido que ela tinha inventado e só saí do banheiro quando não ouvi mais nenhuma voz. Chegava a suar frio.

Voei para a cantina e comprei um pacote de biscoitos. O sinal do fim do intervalo tocou assim que entreguei as moedinhas para pagar, então precisei correr para voltar para a classe. Contei para as MAIS o que tinha acontecido e a Susana queria ir tirar satisfação com a Amanda. Com a ajuda das meninas, tiramos essa ideia da cabeça dela, mas ficou combinado que eu nunca mais iria ao banheiro sozinha. Achei aquilo um exagero, mas fui voto vencido.





As Mais - Patrícia BarbozaOnde histórias criam vida. Descubra agora