Contaminado

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Para que se evitasse alguns problemas o Javier conseguiu que eu ficasse um tempo dando apoio nos pontos de vacinação, o que não durou muito já que meu pai havia deixado claro que eu responderia a Audrey até que o suposto problema fosse resolvido. Havia se passado meses e o meu pai ainda não falava comigo, mesmo não podendo fazer nada para separar eu e o Javier da falsa relação ela continuava fazendo o possível para manter o meu pai distante.
— Como foi ficar esse tempo distante do hospital? – perguntou Laura enquanto estávamos a caminho
— Nada fácil, sentir muita saudade dos pacientes, de conhecê-los e vê-los enfrentando a situação bravamente.
— Eu imagino, você é uma pessoa muito humanizada. Ter contato, saber histórias e ajudá-los é o que resume você.
— Confesso que sim.
— Ainda vai ficar na Ala da pediatria?
— Sim, dizem que adquirir experiência. Mas na verdade para mim é desculpa da Audrey para que eu fique o mais longe possível do Javier.
— Ainda não acredito que vocês estão juntos, só não entendo porque manter isso em segredo.
— Nem é tão segredo assim, já que a Audrey, você e o Miguel sabe.
— Não acha que deveria tornar isso público antes que seja tarde demais?
— Não é o momento, ainda não recuperei a minha relação com meu pai. Você conhece as pessoas, estamos no pico da pandemia e vão inventar boatos sobre nossa relação e a disseminação do vírus, sem mencionar que isso pode acabar sujando a imagem do Javier. Se ele for eleito como parte da mesa da diretoria é capaz de dizer que foi favorecido.
— Vocês têm razão, a minha preocupação é que a Audrey não desistiu do Javier. Perdê-lo para você se tornou algo bastante pessoal para ela.
— É uma diversão para mim, vou amar ver ela tentar.
— Cuidado amiga, não fique tão segura de que ela não possa conseguir o que quer.
— De que lado você está? – rimos

Assim que me despedi da Laura a enfermeira havia me delegado os pacientes que cuidaria durante o meu dia de trabalho.  Dentre as crianças, a que mais se destacou durante o dia foi um menino de 8 anos que estava prestes a receber alta. Seu nome era Benjamin, ele se recuperava de uma cirurgia de baixo risco após ter fraturado o braço enquanto brincava com a irmã em casa.
— Eu queria ver a Sol antes de voltar para casa, ela cuidou de mim desde que cheguei aqui. – disse ele triste por eu estar a substituindo
— Sinto muito, mas prometo que irei contar pra ela o quanto você se sente grato pelo tempo que passaram juntos e por ter cuidado de você.
— Irei acreditar em você. – ele ficou inquieto até por fim me perguntar – Ela está bem mesmo?
— Está sim, ela só entrou de férias.
— Não está mentindo para mim?
— Filho, o que é isso? – a mãe o corrigiu
— Está tudo bem, porque mentiria?
— Sei que tem muita gente morrendo, e como vocês cuidam de nós é de se esperar que se contaminem e morram também.
— Benjamin, está tudo bem com a Sol. – o consolei – É verdade que infelizmente tem muita gente que nos deixaram por causa do covid mas a Solange está bem.
— Então quem são as pessoas que estão no isolamento? Escutei falar que alguns médicos e enfermeiros estavam em estado grave aqui no hospital.
— Bom.. não posso mentir pra você, não sei quem são. Voltei a trabalhar aqui no hospital a pouco tempo, então não estou por dentro dessas notícias. Mas garanto que vamos fazer o melhor para que eles se recuperem logo.
— Ainda bem que já vou embora daqui.
— Eu concordo com você, fique o mais longe possível está bem? – rimos juntos

Cedo ou tarde isso ia acontecer, apesar de alguns funcionários terem apresentado sintomas ainda não havia sido confirmado nenhum caso. Saber através de um pequeno paciente que isso estava acontecendo de uma certa forma me deixou preocupada. Assim que encontrei com a enfermeira chefe a questionei sobre os possíveis infectados.
— É verdade sim, estou surpresa que eles tenham descoberto. Estamos tratando isso em sigilo para não causar pânico nos pacientes.
— Mas está tudo bem mesmo?
— Nove estão em casa isolados, somente dois funcionários estão internados em estado delicado.
— É alguém que eu conheça?
— O Dr. Moura que está disputando a diretoria com Javier e o Dr. Miguel Pneumologista Intensivista.
— Não pode ser. – respondi surpresa – Como não soube disso antes?
— Poucos sabem, o Dr. Miguel chegou ainda na madrugada com a saturação baixíssima. Já o Dr. Moura eu também não fazia ideia, ele estava se tratando em segredo, mas quando as coisas ficam feias é difícil esconder.
— Obrigada por me contar, irei tentar saber como eles estão no final do turno.
— Tudo bem, se cuida.

Durante o dia quase não conseguia me concentrar, quando encontrava o Javier ele sempre estava na companhia do Miguel. Mesmo me sentindo uma boba era inevitável não me preocupar com ele. Tentei diversas vezes entrar em contato, mas ele não atendia as ligações. Esperei chegar até o horário do almoço para ir encontrá-lo, o que parecia uma eternidade.

Com passos rápidos seguir até o escritório do Javier, que estava trancado. Tentei forçar a porta para abrir, foi então que percebi uma seta na porta apontando para a janela. Meu coração de repente começou a errar nas batidas quando o avistei com o seu jaleco branco sentado em uma pilha de documentos. Logo bati no vidro para chamar a sua atenção.
— O que é isso? – o questionei – Porquê está trancado? Abre a porta!! – meus olhos estavam entregando o quanto estava assustada
— Não posso fazer isso, há uma grande possibilidade de eu ter contraído a variante do covid, preciso estar no isolamento.
— Javier! – bati no vidro levemente ao me encostar desesperada
— Ei, presta atenção. – disse ele ao colocar a mão onde havia encostado a minha – Respira fundo. – fiz o que ele havia pedido – Vai ficar tudo bem.
— O Miguel e o Moura. – chorei
— Eu sei, eu sei. Estou tão assustado quanto você, mas assim como nós, eles sabiam dos riscos. Ninguém é imune.
— O que vou fazer? E se meu pai, o Conner, a Laura...
— Escuta Celeste, vai ficar tudo bem. Tenta se manter ocupada. Com os funcionários isolados vocês vão ter muito trabalho a fazer, foque nisso o quanto você pode ajudar. Por isso preferi ficar aqui enquanto aguardo o período de incubação, me sinto bem e há muito a ser feito.
— Tá bem, vou ajudar.
— Daqui há 6 dias farei o exame e se der negativo estarei com vocês na casa do Dr. Conner em breve. Então por favor, nada de deixar as luzes ligadas desnecessariamente, detestaria ver o recibo com um valor mais do que absurdo.
— Não vou, prometo.

Através dos seus Olhos (2022)Onde histórias criam vida. Descubra agora