Desmascarado

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Com os materiais de limpeza na mão me vi com duas opções:
1° Não fazer o trabalho e recorrer aqueles que iriam me ajudar sem questionar o meu pedido. Afinal de contas, aquela não era uma atividade da qual eu era responsável.
2° Fazer a atividade, até porque estou sendo alertado com frequência de que devo me comportar.

Optei pela segunda opção. Fazer atividades domésticas estava no topo da minha lista de atividades nunca realizadas antes. Por isso que na minha visão eu estava fazendo tudo errado, o que me deixava ainda mais irritada.

Assim que concluí o trabalho organizei minhas coisas a fim de ir até o Javier, trabalhar para mim não seria um problema. Mas fazer atividades que não são minhas não seria algo justo, por isso tentarei resolver de maneira pacífica.

Mesmo cansada procurei pelo Javier por todos os setores, havia desistido de encontrá-lo quando o encontrei encostado no meu carro. Seria o último lugar em que pensei que o veria, mas lá estava ele. Em uma ligação que parecia ser de extrema importância. Uma de suas mãos estava apoiada em sua cintura enquanto ele olhava para cima. Javier tinha um cabelo grosso, e preto. Não sei ao certo se era por causa da iluminação do local, mas naquela tarde o tom preto do cabelo dele estava mais escuro do que de costume, o que deixou a pele dele extremamente reluzente. Tudo bem que eu não goste dele, mas não poderia negar que só naquele momento pude notar o quão atraente ele era. Algo que ponho a culpa  no cansaço.

Para afastar esses pensamentos esquisitos e também o afastá-lo destravei o meu carro o qual o fez levar um maior susto.
— Irei desligar. – disse ele na ligação
— Tem que se encostar justamente no meu carro? – perguntei enojada
— É um carrão e tanto, nunca vi um desses. Tive que vê-lo de perto.
— Vê-lo? Você estava praticamente sentado.
— Jamais sentaria nesse ouro, temo ter que trabalhar durante dois anos de graça para remover os arranhões do meu jeans.
— Que bobagem!
— Você parece cansada, teve muito trabalho hoje e por isso demorou tanto?
— Que bom que perguntou, eu estava te procurando agora há pouco.
— Estou curioso para saber o motivo. Porque você não me dá uma carona, realiza o meu sonho de entrar nesse carro e me conta o motivo de estar me procurando?

Ver o quanto Javier era cínico me deixava sem palavras, ele provavelmente sabia o motivo da minha insatisfação e mesmo assim fingia não saber. Para o meu desgosto logo a Audrey chegou no estacionamento deixando o Javier babando mais do que o meu carro havia deixado.
— Olá amigos, espero não estar atrapalhando a conversa.  – disse Audrey fingindo ser uma pessoa meiga
— De forma alguma. – respondeu Javier

Dificilmente conseguiria ficar perto dela sem que fizesse algo que colocasse meu trabalho em perigo, por isso nem mesmo a respondi. Apenas entrei no meu carro me preparando para voltar para casa.
— Vi que está sem carro hoje Javier? Deixe-me levá-lo para casa. – escutei Audrey o oferecer uma carona ao Javier que ficou animado com a proposta, antes que ele pudesse responder pressionei a buzina do meu carro sem ao menos olhar para eles
— Você não vem Javier? – enquanto prendia meu cabelo, perguntei alto o suficiente para que eles me escutassem
— Tudo bem, pode ir com ela. – pelo tom da voz era óbvio que a Audrey não tinha ficado nem um pouco contente que o seu protegido não a respondeu de imediato
— Obrigado pelo convite, mas tenho que encontrar o Dr. Carlos e não quero lhe dar trabalho já que você não mora por aquele lado.
— Sem problemas, fica pra outro dia. – ela entrou no carro fingindo estar tudo bem

Mesmo a tendo irritado apenas um pouco, essa pequena conquista me deixou feliz. Ainda não sei ao certo o que fazer para poder feri-la como ela tem feito a mim, ou se seria melhor desistir desse trabalho no hospital e optar por outro lugar mesmo que isso me deixe triste
— Então vamos lá, sou praticamente seu vizinho. Moro em uma casa ao lado do condomínio da sua rua. – disse Javier animado ao entrar no carro.
— Sei onde é. – respondi surpresa por nunca ter esbarrado com ele andando pelo bairro – Irá mesmo encontrar com meu pai hoje?
— Na verdade não.
— Não entendo o motivo da mentira.
— Bom, ao me verem com você, as pessoas podem entender de outra maneira e isso não seria bom para nenhum de nós.
— Me favorecendo? Que engraçado, tem acontecido justamente o contrário.
— Acredito que você deve estar falando sobre algumas mudanças que ocorreram no seu trabalho, mas infelizmente não posso ficar suavizando pra você. As pessoas que vêm ao hospital estão mesmo doentes e precisam de cuidados.
— E onde realizar a limpeza do banheiro entra nesse cuidado? Até onde eu saiba, o hospital tem toda uma organização e funcionários para cada categoria de atividades.
— Você está falando sério?
— Ao contrário de você, não uso mentiras para fugir das respostas.
— ¡Lo siento mucho! – só após me desculpar pude me dar conta que nas poucas vezes que faço uso da minha língua materna, eu estava acompanhado ou falando sobre a Celeste. – Isso não deveria acontecer no meu hospital, de modo algum eu apoiaria tal atividade. Prometo resolver isso.
— Que bom, porque aquele foi o primeiro e último banheiro que limpei.
— E a resposta sobre o convite que lhe fiz mais cedo?
— Eu pensei bastante, e por um momento até quis desistir, mas qualquer progresso feito para acabar com esse vírus é uma oportunidade única. Então pode contar comigo. – respondi ao parar em frente a um condomínio do Javier
— Estou muito contente em saber disso e obrigado por ter me trazido.

Logo retornei a caminho de casa. Mesmo não tendo nenhuma afinidade e um relacionamento difícil com o Javier, acredito que esse foi um dos poucos momentos que eu pude julgá-lo como suportável. Reconheço que sei que suas intenções em tentar se aproximar de mim não são puras, mas saber que tê-lo próximo a mim era algo que irritava a Audrey era o suficiente para que eu não o afastasse de vez.

Havia acabado de estacionar quando notei que a chave do Javier estava no assento do carro. Como a minha casa ficava a pouca distância, decidi ir até a casa dele andando.  O avistei novamente falando no celular enquanto procurava por algo que eu julgava ser a chave que estava em minhas mãos. Dessa vez percebi que ele estava mais descontraído como se tivesse falando com um amigo. Me aproximei o suficiente para escutar o que ele falava.
— Não é como se eu não soubesse que isso pode me favorecer, eu estou tentando conquistar ela, mas isso tem me deixado com dificuldades com a Audrey. – ele riu por algo que a outra pessoa na linha disse – Digamos que eu consiga ter uma relação com a Celeste, até quando vou ter que manter isso? – escutar essa conversa havia tirado toda a esperança de que ele pudesse ser um pouco suportável. – Casamento? Nem pensar! Irei desligar a cara, essa conversa me deixou com dor de cabeça. Falamos depois, não consigo encontrar a chave. – ele desligou

Assim que o vi pronto a dedicar mais atenção para encontrar a chave a balancei para que o barulho chamasse a sua atenção. A reação do Javier era de extrema surpresa, ele não sabia o que falar. Antes que  ele viesse até mim inventando histórias infindáveis o joguei a chave,  e simplesmente sai daquele lugar.

Através dos seus Olhos (2022)Onde histórias criam vida. Descubra agora