10 minutos

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Depois de tanto tempo afastados não imaginava que iria reencontrarmos a Celeste dessa maneira, debilitada, frágil. Vê-la saindo do quarto numa maca desacordada me deixou desnorteado.
— Você sabia disso? – perguntei a Audrey um pouco áspero
— Claro que não! – ela respondeu também surpresa
— Irei até eles.
— Você não vai! – Audrey me impediu – Entendo perfeitamente que esteja se perguntando o que está acontecendo mas ouviu a Laura, a condição dela ter nos contado é não nos envolvermos.
— Não há nada de errado em querer saber o que está acontecendo, sou próximo ao Carlos e é meu dever estar ao lado dele.
— Se você fosse tão próximo assim, ele teria lhe contado sobre o quadro clínico dela. – Audrey me olhou furiosa
— Eu só quero saber como ela está. – pacientemente afastei a mão da Audrey e caminhei até o Carlos

Apesar do meu esforço para conversar o mais rápido possível com o Dr. Carlos levou quase uma hora para que isso fosse possível. Mesmo sendo um homem forte, ele estava muito preocupado.
— É uma pena que nosso reencontro seja nessas condições. – disse para ele
— Mesmo sendo assim, confesso que pisar nesse lugar me trouxe um pouco de calma, é muito bom ver todos vocês. Você tem feito um ótimo trabalho, já tinha reconhecido isso a distância, vendo com meus próprios olhos estou ainda mais surpreso.
— Obrigado, ouvir isso do senhor significa muito pra mim. – ao conversar com o Carlos brevemente recordei de tudo que passamos para chegar aonde estávamos, me sentir muito grato – Soube da Celeste, o que está acontecendo?
— Essa menina sabe mesmo como me deixar aflito, parece que quando começou a trabalhar aqui ela descobriu ser portadora do lúpus. Com a empolgação do trabalho deixou o tratamento de lado e agora está na sala de cirurgia.
— Há algo que eu possa fazer? – cada palavra dita pelo Carlos havia me deixando terrivelmente nervoso
— Não será preciso, um amigo meu que é especialista está coordenando esse transplante. Graças a Deus que o Alan é um doador, ele não pensou duas vezes em ajudar a Celeste. Ela é uma menina de sorte.
— Ela é sim, tenho a certeza que ficará bem. – olhei através da porta na esperança de poder enxergar alguma coisa
— Nem tente, é perda de tempo. Não me deixaram nem entrar.
— Será que posso visitá-la mais tarde?
— Olha Javier, eu prometo que falarei com ela. Mas as coisas não terminaram muito bem entre vocês, não é? Senão vocês teriam mantido o mínimo contato possível. Mas falarei a ela e se ela concordar poderá sim.
— Obrigado. E quanto ao Conner?
— Péssima hora de contrair o covid, está muito irritado, queria estar aqui.
— Você sabe que precisa fazer o teste, não sabe?
— Eu sei, só queria ver minha menina por minuto. Agora que a vi irei fazer esse bendito teste.
— Ótimo.

Pouco a pouco meus pensamentos foram preenchidos pela Celeste. Estava terrivelmente preocupado com ela. Lembranças de nós dois, do nosso acordo e quase relação, de quando dividimos a mesma casa e éramos bons amigos. Desde que nós nos distanciamos nunca mais nos falamos, havia coisas para resolver.

Por volta do fim de tarde soube que a cirurgia havia acabado e que tudo tinha ido muito bem. Não foi possível vê-la de imediato e muito menos no dia seguinte. O que me fez concluir que era ela que não queria me encontrar.
— Você está distante. – disse Audrey enquanto caminhávamos no hospital
— Distante? Desculpe, só agora entendo a sua determinação em parar de dar as coletivas. É muito trabalhoso ter que se preparar para elas.
— Tem certeza que é por causa das coletivas?
— O que seria? – parei de caminhar para conversamos melhor
— Eu acredito em você, só quero ter a certeza que isso não seja por causa da Celeste.
— Isso não faz sentido Audrey! Estamos juntos agora.
— Sim estamos, sei que pode parecer uma crise de ciúmes boba e desnecessária, mas você fica diferente quando se trata dela. Tenho escutado por aí que você tem feito um grande esforço para que a Celeste aceite sua visita. Não se dá conta de como isso pode refletir em mim?
— Fala sério Audrey. Não posso acreditar que estamos tendo essa conversa. Porque visitar a Celeste é algo tão polêmico? Éramos próximos, trabalhamos juntos, dividimos a mesma casa.
— Não esqueça o mais importante, tiveram uma relação.
— Você mesmo disse que não contava como uma relação, que era algo humanizado.
— Eu disse porque estava fazendo de tudo para afastá-los, como esperava que eu fosse motivar a relação? – a Audrey estava cada vez mais irritada
— Pelo amor de Deus, isso não faz sentido!

Logo fomos interrompidos por uma funcionária do hospital.
— Com licença Javier, a paciente do quarto VIP acaba de receber seu último visitante. Ela está sozinha, porém se recusa a receber sua visita.
— Obrigada por me informar.

Aquela interrupção acabou gerando ainda mais problemas para mim, Audrey estava extremamente decepcionada.
— Descubra logo o que você quer, porque sinceramente já cansei disso. – ela saiu sem ao menos querer me ouvir

A essa altura a entendia perfeitamente, deveria ter optado em ir atrás dela e tentar nos acertar. Mas naquele momento não conseguia caminhar para nenhum lugar que não fosse o quarto da Celeste. Ao me ver ali a recepcionista logo falou sobre a proibição da Celeste.
— Está tudo bem, irei ser breve.
— Isso vai me causar problemas, Javier.
— Não vai, eu garanto. Só não deixe ninguém entrar por enquanto.
— Você tem 10 minutos!

Sem ao menos bater na porta invadir o quarto da Celeste que me olhava com desprezo e raiva. A garota dos cabelos longos havia adotado um corte curto, sua pele estava ainda mais clara após o procedimento cirúrgico. Seus olhos que eram alegres e orgulhosos estavam cansados. Mesmo assim, vê-la depois de tanto tempo me causou arrepios.
— O que está fazendo? – perguntou ela – Você não deveria estar aqui. – ela tenta ligar para recepção
— Te vendo agir assim me faz lembrar do dia em que fiquei isolado no escritório e você surgiu desesperada, chorando.
— Nem continue. – ela instituiu em ligar
— Eu não entendia porque você estava tão preocupada comigo e por isso mantive você distante apesar dos seus esforços constantes de continuar próxima. Você sempre agiu assim com determinação, constância, abrindo portas que eu dizia que deveria estar fechada. – me aproximei e tomei o telefone da mão dela – Desculpe por não estar respeitando o seu desejo de não me ter aqui. Mas não posso, você não faria isso.
— As coisas mudaram, tem muita coisa que eu não faria mais.
— Mesmo assim não posso. Não consigo me concentrar desde que te vi aqui, estou apavorado Celeste! – disse deixando ela surpresa, sem palavras – Eu não te afastei porque havia conseguido o que queria, eu não estava te usando Celeste e irei te provar isso. Assim como já derrubei qualquer tipo de pensamento desastroso que você tinha a meu respeito farei novamente.
— Saia do meu quarto Javier. – disse ela com o rosto virado sem ao menos me olhar.
— Só passei para te ver, precisava saber como você estava com os meus próprios olhos. – caminhei em direção a porta – Irei voltar Celeste, não adianta me proibir na recepção. – a deixei sozinha

Através dos seus Olhos (2022)Onde histórias criam vida. Descubra agora