Capítulo 34

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As noites mal dormidas levaram Sofia a chegar mais cedo na confeitaria na semana seguinte. As segundas eram o dia de folga da equipe para se recuperarem dos eventos do final de semana, porém na terça-feira ela já estava lá muito mais cedo que o habitual. Ela queria aproveitar este tempo para verificar o estoque e a condição dos utensílios para as próximas compras ao invés de ficar se lamuriando em casa. Quando chegou à confeitaria, percebeu que não estava sozinha.

— Bom dia Sofia, não esperava ver você tão cedo.

— Eu também não esperava encontrá-la aqui Gisele. — Sofia respondeu — O que está fazendo?

Sofia reparou nas bacias em cima da bancada e alguns potinhos menores, porém não conseguia enxergar o que havia dentro deles. Alguns vidrinhos marrons com etiquetas brancas mostravam nomes de essências comuns da culinária, contudo, não eram materiais presentes no cardápio que Sofia elaborou meses atrás.

— Veja só, eu queria fazer uma surpresa para você — Gisele respondeu — Mostrar um pouco de criatividade e proatividade, sabe? Mas você chegou antes de eu finalizar os testes.

Gisele explicou sobre o programa de culinária que havia assistido algumas semanas atrás e como um chef inglês estava usando determinadas essências para realçar sabores nos seus pratos salgados. Então ela pensou que poderia fazer o mesmo com os doces. O kit de essências que ela havia encomendado chegara apenas no dia anterior, mas ela não quis perder tempo e logo foi fazer alguns testes para mostrar para a chefe. E ali estava ela com uma bacia de creme de baunilha e algumas essências.

— Entendo Gisele, admiro sua vontade em trazer novidades. Eu ouvi falar dessa técnica quando estava na França. Deve-se ter muito cuidado para não exagerar na essência e ela ficar enjoativa e artificial. O que você conseguiu testar?

— Por enquanto, a única amostra para provar é esta com lavanda. O restante ainda não deu o tempo certo. — Gisele pegou uma colher do lado e entregou ambos para Sofia.

— Não sabia que havia um tempo necessário.

— Você sabe como na confeitaria tudo deve ser exato. — Gisele respondeu.

— É verdade. Para ser sincera, achei um pouco forte. Talvez você deva reduzir a dose. Quais são os outros sabores?

— Laranja, capim limão, rosas vermelhas, amêndoas... e o restante nem comecei a testar. É um kit bastante variado.

— Tome cuidado com os sabores que podemos obter de forma natural. Quanto mais fruta ou ervas frescas, mais os clientes vão gostar. Continue nos testes e me avise se alguma composição der certo.

— Tudo bem. Quando chegar a algum resultado satisfatório, eu te aviso.

— Vou verificar o estoque antes que o resto da equipe apareça. — Sofia, alheia às reações de sua funcionária, desapareceu no depósito.

Gisele esforçou-se para manter o sorriso. Ela pensou que a chefe ficaria mais animada com a sua iniciativa, talvez participasse da criação. Contudo, ela não lhe dedicou mais do que meros segundos. Ela continuou na bancada para terminar os experimentos que já havia iniciado.

Sofia ainda podia ouvir algumas bufadas e murmúrios da funcionária falando sozinha enquanto contava a quantidade de trigo, açúcar ou mexia nos potinhos de vidro. Estava feliz por ter contratado Gisele. Devido à sua origem humilde, ela era extremamente esforçada e prestava atenção em tudo que Sofia fazia para absorver ao máximo de aprendizagem. Assim também ocorreu no dia em que Sofia a conheceu.

Ela havia sido convidada para ministrar uma aula de clafoutis justamente no curso técnico em que Gisele estudava. A receita era um doce típico francês que consistia em um creme com cerejas inteiras assadas no forno no formato de torta, perfeito para uma chef recém-chegada da França ensinar aos alunos. Gisele destacou-se pela dedicação, número de perguntas e excelente execução do doce, rendendo-lhe uma contratação pouco tempo depois. Ela não possuía o mesmo currículo ou experiência que muitos dos candidatos que Sofia entrevistou para ajudá-la nos doces finos para eventos. Entretanto, os poucos lugares em que ela trabalhou só tinham elogios e boas recomendações, então Sofia não teria como tomar outra decisão senão contratá-la.

Gisele a questionou bastante sobre o futuro na empresa, possibilidades de crescimento na carreira e, principalmente, se confeitaria era algo de bastante retorno financeiro. Até insistente demais, se Sofia lembrava-se corretamente das cinco vezes em que Gisele a perguntou "mas isso dá dinheiro?". Sofia encarou como uma preocupação em trocar as cozinhas de grandes restaurantes por uma pequena confeitaria, mas ela ofereceu um salário justo e horas de trabalho muito mais confortáveis. A chef ainda não tinha como lhe dar respostas tão exatas sobre faturamento, pois estava no início do negócio, no entanto, estava confiante de que seus doces iriam fazer bastante sucesso. E ela precisava de uma equipe que correspondesse para que a sua empresa pudesse crescer.

Claro, nas suas receitas haviam segredos que Sofia não revelava a ninguém e tomava o cuidado para que ninguém aprendesse. Truques e medidas que tornavam seus doces diferentes e que ela também havia batalhado para aprender, muitas vezes na tentativa e erro. Ela queria ensinar o máximo que podia aos seus funcionários, no entanto, sabia que tinha um negócio para gerir e toda a empresa tinha suas fórmulas de sucesso.

Após algumas horas das duas trabalhando em silêncio nas suas tarefas, Dona Maria e Yasmin chegaram. Logo assumiram suas atividades programadas na cozinha e o dia teve início.

— Yasmin disse que o casamento de sua irmã estava lindo — Dona Maria comentou com Sofia.

Devido à idade mais avançada de Dona Maria, Sofia estabeleceu que, além dos funcionários temporários que ela contratava de acordo com a necessidade para cada festa, apenas as jovens participariam dos eventos noturnos. Assim, ela não sofreria com o desgaste de trabalhar até altas horas da noite, muitas vezes de pé por uma grande extensão de tempo. No entanto, isso impedia que Dona Maria participasse dos eventos mais interessantes e sofisticados que aconteciam sempre no período noturno, restando a ela saber os detalhes por meio de sua filha e outros membros da equipe.

— Estava sim. Ela teve muito bom gosto na escolha de decoração e do noivo — Sofia sorriu.

— E dos doces — Gisele complementou.

— É verdade — Sofia riu.

— As pessoas estavam tão chiques, nunca vi tanto brilho — Yasmin comentou — Eu adorei.

— Se tudo der certo, esse casamento nos trará bastante clientes e teremos muito trabalho pela frente. Assim que minha irmã voltar da lua de mel, vou saber melhor o que os convidados acharam do nosso trabalho. Estou confiante de que foi positivo!

— Sofia, não se preocupe, com certeza todo mundo gostou — Gisele respondeu — Eu fiquei observando com a Yasmin enquanto cuidávamos da reposição e só vimos sorrisos, não é mesmo?

Gisele olhou para Yasmin que estava pegando algumas panelas da prateleira mais alta da estante. Ao se distrair com o comentário de Gisele e se virar para responder, acabou esbarrando no cabo de uma panela e derrubou uma grande quantidade de utensílios, fôrmas e panelas. A cacofonia do metal no chão tirou todos de suas posições. Por um breve instante, ninguém reagiu. Todos olhavam para a grande confusão no lado da cozinha onde Yasmin se encontrava.

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