Capítulo 6

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  — Foi um acidente.

Pelo que indicava a ausência de uniforme, ela realmente não era uma garçonete. O vestido azul claro abraçava suas curvas sem ser vulgar, deixando apenas o suficiente para a imaginação de um homem divagar. Ela era bonita, porém bastante diferente das mulheres que ele costumava sair. Talvez ela estivesse tentando chamar sua atenção, como outras interessadas no seu dinheiro e conexões já haviam tentado, porém esta não escolheu a melhor abordagem para agradá-lo.

— Foi um acidente. — Ela repetiu.

— Que arruinou a minha camisa — salientou Gabriel, cada vez mais sem paciência.

Talvez em qualquer outro dia ele poderia ser mais educado, porém depois da conversa com os amigos e os exames que estavam por vir, seus nervos estavam à flor da pele e qualquer perturbação pareceu transbordar todos os sentimentos ruins em forma de grosseria. Além de tudo, estava cansado das abordagens diretas demais de algumas mulheres. Ela não precisava deixá-lo todo molhado para falar com ele.

— Eu sinto muito — ela repetiu, olhando para baixo, e depois acrescentou encarando-o — Posso fazer alguma coisa? Buscar uma toalha molhada?

— Acho que você já fez demais — Gabriel rosnou e saiu.

Sofia nem teve tempo de responder ou amenizar o ocorrido. Entre caminhar para o toalete e disfarçar uma quarta análise na mesa de doces para sua mãe não ver, ela não percebeu por onde estava indo e trombou com aquela muralha em forma de homem. Talvez tivesse ficado muito distraída depois do encontro com aquele sujeito excêntrico e insistente que era primo de Tomás. O vinho de a sua taça terminar na camisa dele foi um acidente, contudo ele não pareceu entender dessa forma.

Sofia não sabia quem era aquele homem tão grosseiro, só esperava que fosse um convidado sem importância e que ela não precisasse vê-lo novamente.

E realmente não o viu mais. Na festa de noivado pelo menos.

O jantar transcorreu sem acidentes, assim como os outros brindes e a sobremesa. Todos pareciam gostar dos doces que Sofia havia produzido especialmente para o noivado da irmã. Algumas receitas eram novos testes para a loja e sua intenção era impressionar os convidados para que alguém dentre eles a contratasse para outras festas.

Alice, percebendo o silêncio da irmã durante o jantar, resolveu verificar o que estava acontecendo.

— Sofi, que silêncio é esse? Você estava tão animada mais cedo.

— Ali, está tudo bem, não se preocupe. — Sofia tentou acalmá-la.

— Não parece. — Alice insistiu.

— Acredito que seja só o nervosismo sobre a apresentação dos doces. — Sofia justificou.

— Então pode mandar ele para longe, pois só ouvi elogios dos convidados. Tenho certeza de que você terá muito eventos em breve.

Ela estava bastante ansiosa com a recepção que suas criações teriam no jantar e a repercussão em sua carreira. Durante a infância, Alice sempre foi o exemplo de organização e controle, enquanto Sofia era tranquila e aproveitava os preciosos momentos da vida. Alice ainda era assim, porém Sofia havia adquirido alguns traços similares com a maturidade e florescimento de sua profissão. Era curioso pensar que, enquanto Alice brincava de médico com suas bonecas, Sofia assistia a programas de culinária e fazia pequenas experiências na cozinha, seja com o auxílio de sua mãe, tias ou babá, e hoje, as duas tinham feito de suas brincadeiras as suas profissões.

Apesar do amadurecimento e preocupação com a carreira, nem tudo mudou. Sofia era extremamente bagunceira ema toda a sua vida, com exceção da cozinha onde a organização reinava. E essa bagunça era uma fonte eterna de discussões com a sua colega de apartamento e irmã mais velha.

Quando seus pais optaram por morar em uma casa afastada do centro, Alice decidiu que seria melhor ficar na região central para facilitar seu deslocamento entre o trabalho, estudos e casa. Após a exploração gastronômica internacional, Sofia foi morar com a irmã em seu apartamento para se beneficiar das mesmas facilidades. Com apenas dois anos de diferença de idade entras elas, a rotina das duas funcionava muito bem, ouvindo-se com frequência o desespero de Alice para que Sofia arrumasse isso ou aquilo para manter o espaço em ordem.

— Fico muito feliz em ouvir isso. Mal posso esperar pelos novos pedidos. E que os clientes conheçam a confeitaria Siùcar também. Preciso fazer isso dar certo, Ali.

— E está fazendo dar certo, Sofi. Pense no quanto você progrediu desde que voltou há oito meses. Criou um cardápio, fez eventos, abriu uma confeitaria no centro e não para de crescer. Até a grande chef Eva Morano elogiou seus doces e eu me lembro de ela ser bastante exigente quando você trabalhava para ela.

— A chef Eva não provou todos os doces — Sofia evidenciou. — Ela provou somente uma sugestão de cardápio.

Eva Morano era uma das mais renomadas chefs de cozinha do país e Sofia teve a oportunidade de trabalhar para ela logo após se formar na escola de gastronomia. Começou a trabalhar nos postos mais baixos da cozinha de um pequeno bistrô da moda, lavando pratos e picando alimentos até a chef a colocar na praça da sobremesa e ela descobrir a sua paixão. Suas mãos delicadas, seu gosto refinado e sua ousadia em transformar ingredientes comuns em sabores complexos resultavam em pequenas e saborosas obras de artes para degustação dos sortudos que frequentavam o local.

Ainda que a chefe Eva fosse uma verdadeira tirana para que a cozinha funcionasse bem, somente depois de um ano inteiro na praça da sobremesa trabalhando rigorosamente dentro das suas regras e apenas reproduzindo o que lhe era pedido, a chef lhe deu o privilégio da liberdade criativa, permitindo sugestões e modificações no cardápio doce do bistrô. Depois disso, uma amizade surgiu e Eva foi a maior incentivadora para que ela percorresse o mundo e aprendesse mais sobre a arte da confeitaria. Sofia, então, passou alguns meses em cada restaurante sugerido pela chefe e mentora, obviamente com empurrãozinho dos seus contatos, buscando aprimorar suas técnicas em bolos, tortas, geleias, sorvetes e, claro, doces finos.

Depois de três anos trabalhando fora, Sofia finalmente estava de volta em sua cidade natal Azevedo, pronta para abrir sua própria confeitaria. Trabalhou meses fazendo doces e desenvolvendo as melhores receitas em Paris antes de voltar para abrir sua loja em uma pequena praça do centro, famosa pelos cafés e restaurantes da moda.

Se a confeitaria desse certo e decolasse, sua intenção era abrir uma segunda loja, com um conceito totalmente diferente. Ao invés dos doces refinados e ingredientes importados, ela faria uma linha com ingredientes nacionais do cotidiano e preços acessíveis, em um modelo de franquia que pudesse se espalhar por todo país. Era um objetivo ambicioso que demandaria muito trabalho e uma boa equipe para delegar muitas tarefas importantes, contudo pequenos passos levavam a futuros grandiosos e era isso o que ela tinha planejado.

— Ela realmente ajudou na divulgação. — Sofia continuou. — Naquelas semanas em que voltei para Paris para organizar a mudança de volta para cá, ela conseguiu alguns eventos importantes por aqui.

— E esses eventos te levaram a abrir a confeitaria. Nem todo mundo conseguiria isso em tão pouco tempo. — Alice declarou e Sofia teve que concordar.

— A Siùcar ainda é pequena, mas já está com um bom movimento, não é mesmo? Nem acredito que ela já está funcionando há dois meses.

— Eu acredito, porque eu acredito em você. Então, encontre novamente aquele sorriso incrível que eu sei que você tem e vamos curtir a festa. Mamãe e Bárbara não param de elogiar os doces e dizer o seu nome para quem quiser ouvir. Prevejo um futuro bastante agitado para sua empresa, irmãzinha. — Alice piscou para irmã e juntas voltaram para a companhia dos outros convidados.

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