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Há um rádio velho e empoeirado em cima do armário da cozinha. Ontem a noite, o rádio quebrou.

Todas as tardes, quando o desligavam, meus ouvidos agradeciam pela música antiga e o chiado irritante finalmente parar de me incomodar. Hoje, quando ele não foi ligado, eu sentei na cozinha em silêncio, me perguntando porque sentia falta de algo que antes costumava odiar.

A verdade é que, enquanto ele estava ligado, eu me concentrava em reclamar do quanto as músicas eram antiquadas, e no quanto o rádio era antigo e o som péssimo. Agora, que só o que eu posso ouvir é o meu próprio pensamento, eu vejo a sorte que tinha quando o rádio ainda chiava.

Enquanto procurava me distrair com coisas banais, não notei o quanto meus pensamentos se tornaram cortantes e ainda mais presos ao passado. Não percebi que dentro desses meses, a liberdade que eu achava que tinha conquistado, era só uma falsa esperança que eu alimentava ao conseguir fugir um pouco de mim todos os dias. Quando uma das escapatórias quebrou, e me deixou trancado comigo mesmo, eu percebi que o caminho que eu construí nunca existiu.

O rádio não é a única coisa que eu sinto falta agora, e perceber que isso ainda vive dentro do meu coração, me faz sentir mais dor do que antes.

Achei que os sentimentos dentro de mim, estavam finalmente se entendendo e me dando uma nova chance, mas bastou algo rotineiro ser tirado, pra que eu percebesse que todos eles estavam anestesiados com a futilidade que eu usava pra me entreter.

Se soubesse que tentar resolver meus problemas me faria inconscientemente fugir deles, eu teria deixado tudo me atingir em uma só onda, até que eu aprendesse a nadar ou me afogasse de uma vez.

— Sei que sente falta dele.

Sinto, como todos os dias senti. Mesmo que tentasse ignorar que sentia, e isso, consequentemente, me fizesse sentir mais falta ainda.

— Não quero que ele volte – respondi.

Ele engoliu em seco, como se tivesse tocado em uma ferida aberta.

— Eu estava falando do rádio.

Estava óbvio demais. Felix estava tentando continuar me levando pra longe daqueles dias, quando estava estampado na minha cara, que eu tinha voltado a estaca zero de novo.

— Tá tudo bem falar disso, eu já coloquei tudo a perder mais uma vez. Acho que não vale a pena ficar fugindo, está tudo dentro de mim, não tem como perdoar ou esquecer. Se eu não resolver isso, nunca vou voltar ao normal.

Quando eu achei que ele fosse me contrariar, me dizer pra não começar essa conversa e trazer outra teoria da conspiração á tona, ele não fez. Por um momento, esqueci que a pessoa sentada a minha frente é meu melhor amigo, e que ele sempre me surpreendia.

— Han, a única maneira de ser feliz é desistindo de tudo. Se está pronto pra parar de fugir disso, terá que reviver o passado. Não vai ser fácil hyung, mas eu estarei aqui quando acabar.

— Obrigado – não consegui dizer mais nada, tampouco precisei.

Seul, Coréia do sul.
Três anos e cinco meses após o crime.

— Jisung! – ela exclamou com um sorriso no rosto – Que saudade!

Abri os braços e corri pra abraçá-la, meu coração se encheu de alegria ao vê-la de novo depois de alguns meses. A doutora Kim é mais uma grande amiga do que uma terapeuta, por isso vir às suas consultas me deixa tão empolgado e feliz.

— Eu demorei dessa vez – fiz um biquinho triste – Acho que faz uns quatro meses, não faz?

— Acho que sim, mas a intenção é que o intervalo seja cada vez maior daqui pra frente – ela explica caminhando até sua mesa – E então? Como tem passado?

- 𝘼𝙉𝙏𝘼𝙍𝙀𝙎; (𝘮𝘪𝘯𝘴𝘶𝘯𝘨)Onde histórias criam vida. Descubra agora