Minhas mãos estão quentes, mas o suor é frio. O som da chuva é ensurdecedor e não movo um músculo para sair de onde estou, que é de dentro do armazém da Imundice, um lugar tão podre quanto todo o resto, só é mais distante da mansão que foi inteiramente evacuada até as autoridades chegarem.
Fedelma quebra o cristal de emergência que há no seu bolso central. É idêntico aos que Balor ofereceu a mim a aos humanos que trabalharam na oficina, para caso o assassino nos encontrasse.
Dian é o último a adentrar o armazém e fechar a porta, encharcado da chuva assim como todos nós. Ele tranca a porta de correr que emite um ruído agudo pela falta de óleo e se vira para o interior, onde eu, Fedelma e mais duas criadas estão aguardando.
— Por que Vossa Alteza nos acompanhou? — Há temor na voz de Fedelma e ela se posiciona à minha frente, tapando minha visão dele.
— Por que eu não iria?
Todas as criadas se mantêm silenciosas, encarando-o de cima para baixo até que ele parece ter um estalo na consciência.
— Vocês não devem estar achando que fui eu. — Não acredito que haja uma súplica disfarçada no seu tom, mas creio na genuinidade da sua expressão confusa assim que me inclino para o lado e o enxergo.
— Nós não estamos acusando Vossa Alteza. — Ainda assim, Fedelma não sai da minha frente e seus braços me abraçam por trás, me impedindo de sair como duas barreiras.
— Então me permita vê-la. — Dian aponta com a cabeça para mim, carregado de um olhar arbitrário que obriga Fedelma a obedecer e me guiar para frente de si. Eu fico parada, esperando que ele continue: — Presumo que você não saiba o que acabou de acontecer.
— Como consegue ficar tão calmo? — me disperso da questão principal, avanço na sua direção e paro mais próxima, como se isso pudesse me ajudar a compreender algo fora do meu alcance. — Uma pessoa morreu na sua frente.
Eu tenho consciência de que não vou conseguir dormir depois do que vi. Minha mente não pensa em outra coisa além das vezes que Erin sorriu para mim quando trazia o meu café da manhã. Agora há um vazio estranho nessas memórias. O mesmo acontece quando me recordo de Feal e quando ele me pediu para ver meus livros didáticos, dizendo que nunca foi à escola.
— Somente não é a primeira, nem segunda ou terceira pessoa que eu vejo morrer. — A honestidade de Dian me assusta. — Aliás, não é a sua primeira e nem a segunda também.
Dagda e Feal.
— Eu não sei o que aconteceu — respondo sua primeira afirmação, tentando me manter na linha e não demonstrar o quão perturbada estou. — Eu só vi ela cair depois de tomar o chá.
Na mesma hora, todos olham para Fedelma, que põe a mão no coração e dá um passo de recuo.
— Não fui eu! Por Danu, era minha amiga! — esbraveja, e agora vejo as lágrimas inevitáveis rolando pelo seu rosto enrugado e desesperado. — Não há como ter sido envenenado se nós tínhamos acabado de preparar o chá... — Ela para de falar e seu olhar fica ainda mais assombrado. — A menos que...
— Que...? — eu incentivo.
— Eu reparei que a Erin errou na distribuição dos copos, mas deixei o deslize passar porque ela estava exausta... — Fedelma tapa a boca para conter o vômito e sua outra mão vai rapidamente na sua barriga. — Ela erroneamente bebeu do chá que deveria ser entregue a Sua Alteza.
— Fedelma? — chamo, preocupada.
— Desculpe, senhorita Marfach, eu não estou passando bem.
A criada passa por mim e por Dian, cambaleando, ela abre o trinco da porta, a arrasta para fora e sai no meio da tempestade, muito provavelmente a esmo. Eu corro até onde a chuva não vai me atingir e não encontro Fedelma no meio da mata que nos envolve, restando apenas eu, Dian e as duas criadas.
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O Príncipe do Infortúnio
FantasyLIVRO 2 DA TRILOGIA FORJADORA DO DESASTRE, CONTÉM SPOILERS. Por rancor, ele desejará um coração. Sob o comando de Leanan Sidhe, tornando-se uma sombra do atual rei de Danann, Aisling suporta uma vida de aparências e outra repleta de atrocidades para...