Capítulo 34 - O fim do verão

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O Samaim é um festival com propósito de comemorar a colheita e homenagear os mortos do último ano, praticado desde a antiguidade da nossa civilização. Trata-se de um dos eventos mais importantes, junto ao Beltane, que acontece de 31 de outubro a 1º de novembro. É o momento em que celebram a chegada do inverno rigoroso, quando o ano se encerra e um novo se inicia.

No entendimento dos druidas, a "morte" da natureza nesse período deve representar, também, a liberdade do homem para ceifar comportamentos obsoletos, para que assim haja o surgimento de novos que possam contribuir com a evolução espiritual do indivíduo.

Há uma crença de que durante o Samaim os limites entre o mundo material e o espiritual se extinguem. Os mortos vagam pela terra para visitar os locais que viveram e rever entes queridos. Muitas famílias preparam banquetes maiores do que irão comer e reservam cadeiras vazias, como um ritual para pacificar as almas.

Surgiram boatos de que o Samaim não traz somente pessoas queridas, como as malignas, e por conta disso se iniciou uma tradição de iluminar as ruas com lanternas coloridas e preparar fogueiras para afastar os indesejados. Além disso, os humanos saem de suas casas com máscaras ou disfarces para evitar serem reconhecidos por qualquer ser perverso de outro mundo, e esculpem rostos macabros em nabos para assustá-los.

Nos condados humildes, à noite, os humanos vão de porta em porta solicitando contribuições para que a festa ocorra com o máximo de abundância. Tudo é aceito. Animais são uma preferência, oferendas entregues aos druidas sacerdotes com a finalidade de serem sacrificadas à Danu.

Eu adorava essa época quando era mais nova. Diversas vezes fui presenteada com doces quando estava indo de porta em porta, e escondia as guloseimas embaixo do travesseiro para não ter que dividir com Brizo, mas meu pai acabava descobrindo porque os chocolates derretiam.

*

No meu sonho, tenho a altura de uma mesa. Estou ofegante e com suor escorrendo pelo corpo, alegre como um vencedor da loteria. Meu prêmio são doces em um potinho, e valem tanto quanto ouro para mim. Eu ergo o braço e me sinto no drama de uma peça teatral, enterrando a mão dentro do potinho como num final épico, contudo, assim que ocorre o contato, minhas guloseimas desaparecem e dão lugar a uma mão que eu agarro acidentalmente.

— Me impressiona que há uns dias você sofria com insônia, e hoje basta virar de lado — comenta Dian, que tem a mão pousada sobre meu ombro, no intuito de me acordar. Acho que ele está no meu quarto há mais de meia-hora aguardando. — Eu sei o que você está pensando e, veja bem, quem traz doença aos demais sou eu, não Dother. Ver meu irmão uma última vez não vai te causar mal algum. Dub vai estar lá. Todos vão.

— Eu dormi por quanto tempo? — pergunto, coçando as pálpebras.

— O suficiente para estarmos atrasados.

O sol está se pondo e a festa se inicia ao anoitecer.

— Tenho que esperar a Fedelma. — Eu me embrulho mais nas cobertas assim que não a vejo por perto.

— Esses meses aqui te fizeram esquecer como se colocar uma roupa sozinha? — incita, seguindo até o meu armário e passando pelas possibilidades com rigor.

Sempre me perguntei se Bran sugere as roupas que Dian vai usar ou não. Ele está vestindo uma camisa de seda preta com bordas douradas, deixando os dois últimos botões sem abotoar — essa parte com certeza foi opção dele — e a coloca por dentro da calça de alfaiataria de mesma cor e os sapatos são um oxford cinza fosco. O cabelo foi penteado, no máximo, com a mão. Não é o mais formal que um príncipe deveria chegar, só que ele está mais preocupado com seu conforto do que em impressionar alguém.

O Príncipe do InfortúnioOnde histórias criam vida. Descubra agora