O retorno para casa é mais tranquilo do que a ida. Neste regresso sinto menos tensão. A vinda me causou ansiedade por não saber a respeito de Liam, e é ótimo que tudo tenha dado certo para ele. A agitação na minha perna revela como minha mente segue inquieta. Eu não duvido do que Dian me contou em Wexford, minha angústia existe apenas por não saber em quais momentos Dother poderia estar no canto da minha sala, assistindo o que eu fazia. Ele poderia estar ainda mais perto, como me seguir até em casa, quando eu morava em Wexford, e me vigiar dormir.
Só que essa abominação de pensamento se quebra ao som de um assobio fino e breve, o início de uma musiquinha inacabada que chama a minha atenção e me desvia da janela.
— Você acha que eu sou um passarinho, né — perco a paciência, mas isso faz Dian rir.
— É curioso que você olha todas as vezes, mesmo sabendo que sou eu.
— Nada demais. Eu só não estava atenta. Vai me dizer que você nunca ficou no mundo da lua.
— Sem nenhuma dúvida. — Dian está no mesmo banco que eu, bem acomodado no encosto da outra janela e deitado sobre o braço. — Você ficou assim depois que falei de Dother. Não seria uma surpresa, especialmente nesse tédio, se você estivesse revivendo cada dia em busca de uma memória estranha ou inexplicável para conectar os fatos.
— E o que sugere que eu faça?
— Eu não enlouqueceria por conta de algo que já se passou e que hoje, a única diferença que fará, seria me fazer mal. — Ele não está dando muita importância às próprias palavras, mas o seu tom muda espontaneamente ao apontar para a carta amassada nas minhas mãos. — Aliás, não é como se você não tivesse um entretenimento melhor e que valesse seu tempo.
A ideia dele não é de todo mal. Pode ser que na Imundice haja compromissos para mim e atrase o meu dia. Eu estou com tanto sono que não terei forças para ler mais tarde e, sinceramente, minha vontade é de chegar e dormir até amanhã. Recentemente tenho virado a noite acordada, pensando e bolando ideias impossíveis ou improváveis.
Enquanto desembrulho a carta, Dian aproveita para me explicar qual foi o destino que ele deu ao revólver usado por mim e às vestimentas que coloquei no dia do casamento. Todos os itens citados foram transformados em poeira e nem mesmo os druidas scelaiges serão capazes de encontrar evidências que deixaram de existir. Dian ainda acrescentou ao mencionar como corroer um objeto é muito mais eficaz do que queimar, pois os scelaiges nada podem fazer contra um darach que ultrapassa sua linha de conhecimento. E eu o agradeci por essa ajuda.
Dian desvia os olhos para o exterior e para de conversar comigo, assim que finalizo a abertura da carta. Pensei que fosse conseguir esperar, mas foi bom ter desistido dessa ideia. Eu quero muito ler o que Brizo tem a dizer.
"Ais! Eu queria perguntar como você está, mas me contaram que você não pode responder a essa carta. Sinto que estou falando sozinho, mas tudo bem.
E nem vem corrigir os erros de danês depois que a gente se ver. Eu não tô indo pra escola, tá? Falando nisso, é doido como todo mundo diz que num país as coisas são diferentes. Tipo, eu nunca duvidei disso, mas é demais! Eu nunca me senti tão esquisito falando com gente que num entende uma palavra do que eu falo, então tô virando mestre na arte da mímica.
Só que não dá pra fazer mímica na escola. Eu tentei ir uns dois dias e só passei vergonha.
Os faliezes falam engraçado. Tem um sotaque forte pra caramba. Eles não falam "forte", falam "forrrte". Não vou mentir que nos primeiros dias eu ri e fizeram cara feia para mim, mas que culpa eu tenho? Eles também riem de mim.
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O Príncipe do Infortúnio
FantasyLIVRO 2 DA TRILOGIA FORJADORA DO DESASTRE, CONTÉM SPOILERS. Por rancor, ele desejará um coração. Sob o comando de Leanan Sidhe, tornando-se uma sombra do atual rei de Danann, Aisling suporta uma vida de aparências e outra repleta de atrocidades para...